segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Pousada Transilvânia - Parte II

(Se você não leu a Parte I, está aqui)

Eu apaguei.

Parecia que um trator havia passado por cima de mim. E não porque estava cansado, mas acordei todo dolorido.

Quando eu levantei da cama e olhei para o colchão, tive certeza de que o mesmo se tratava de uma herança da família real e que estava sendo transmitido por testamento, de geração em geração, desde Dom João VI.

Esfreguei os olhos, me espreguicei e reparei na namorada. Enrolada como um caracol com as cobertas, inclusive com a cabeça escondida. Estava linda e não queria atrapalhar aquele sono angelical.

Foi só virar as costas e ir em direção ao banheiro que o “angelical” sumiu e um estrondo vindo das profundezas do Inferno, me fez gelar a espinha e rezar, como há muito não fazia.

- Onde você vai?

- Bom dia amor... Vou ao...

- Onde você vai?

- Ao banheiro, posso?

- Que frio que fez neste inferno.

Achei meio contraditório, porque não imagino um inferno fazendo frio. Mas devido ao humor que ela apresentava, achei melhor nem dizer nada.

- Você sentiu frio?

- Fora os barulhos estranhos né? Parecia que tinham bichos andando no telhado, um frio danado, você roncando.. neeeeeeeeeem. To gostando daqui não.

Ainda bem que, aparentemente, meu ronco não era o principal problema...

- Nem vi.

Fui ao banheiro e reparei que um filete de Sol estava refletido no espelho. O Sol! Ar puro! Natureza! Ah, vista pra lagoa.

Saí correndo e pulei a cama. Abri a janela para ver a vista pra aquela lagoa e...

Não tinha vista pra lagoa.

Esfreguei os olhos de novo e não vi a lagoa.

- Amor, cadê a lagoa?
- rnnnn?

- cadê a lagoa?

- rnnnnn?

- A lagoa! Tinha que ter vista pra lagoa! Eu paguei por isso. E ninguém pode falar que ela secou porque choveu o suficiente para a cidade de Sete Lagoas chamar Um Lagoão.

- Annnnrnnrnnnrnnn...

Era inútil. Ela ainda não havia entendido.

Sentei na cama chateado. E então, o estrondo veio de novo. E sem o “angelical” de novo.

- Que que é?

- Uai amor, não tem vista pra lagoa.

- Como não?

- Não tem... olha lá.

Ela levantou e não viu também.

- É, não tem vista.

- Depois vou olhar porque não temos a vista. Vamos tomar café?

E aqui cabe um parênteses. O café foi anunciado como um café igual a de um núcleo rico da novela das 21hrs. Quando minha futura esposa ligou para reservar, a dona da pousada informou que muita gente ficava hospedado lá por causa do café que eles serviam. A expectativa era enorme.

Descemos para o café na expectativa de enfrentar uma manifestação dos Vigilantes do Peso, com faixas de “Abaixo os carboidratos”, “Glicose sucks” e nos alertando do perigo real daquele café para quem estava fazendo dieta.

Porém, não vimos nada disso. Aliás, não vimos ninguém.

Sentamos à mesa e veio uma mocinha simpática com dois pratos com um pequeno pedaço de mamão cada. Ela nos deu bom dia, entregou um prato para cada um, e foi embora.

Olhamos para o mamão. A namorada me entregou o dela porque queria guardar todo o espaço estomacal para o resto do café. Ela iria se esbaldar em bolos, pães, biscoitos, pães de queijo, tortas e...

- Com licença, o misto de vocês.

A mocinha quase nos matou de susto. Ela veio com a mesma simpatia e, desta vez, estava trazendo dois pratos com um misto-quente em cada um.

E olhei para minha namorada. Ela me olhava. Olhamos para os mistos. E a moça parecia que ia sair da cozinha de novo. Eu imaginei o bolo, os biscoitos, os pães de queijo, as tortas, mas não imaginaria aquilo. Se me perguntassem o que ela iria trazer valendo 1 milhão de reais, tinha errado feio.

- O suco de vocês.

E entregou um copo de 300 ml de suco de laranja para cada um de nós.

E sumiu. Comemos nosso misto e esperamos por 10 minutos para ver se vinha algo de novo Obviamente, sem êxito.

E do nada, veio uma pessoa que de longe achei que era mulher. Quando ela se aproximou, tive dúvidas. Usava uma calça jeans, uma bota suja nos pés, camisa xadrez-quadriculada e tinha a voz da Paula Fernandes gripada.

- Bom dia.

- Bom dia.

- Vocês chegaram tarde.

- Pois é. Ficamos presos na lagoa.

Nem com duas frases ditas, eu consegui distinguir se era homem ou mulher.

- Sem problema. E aí, gostaram do café?

Antes que eu respondesse ‘Que café’, fui interrompido.

- Se quiserem tem aqueles biscoitos ali. E café também.

E aí reparei os biscoitos, que também deviam ser herança da família real e estavam ali desde quando esconderam do D. João VI. Juro que pensei em perguntar se ali era um SPA e não haviam me informado. Só que minha namorada fez o favor de responder por mim, com aquele sorriso que ela só mostra para agradar alguém, e nunca usa comigo.

- Tá tudo ótimo. Obrigada.

- Então gente, a piscina fica ali. Tem um freezer lá. Se você quiser trazer algo, pode colocar lá que ninguém mexe.

Claro, não tem ninguém aqui.

- Ok.

- Qualquer coisa me chama lá. Chamo Dorotéia.

Ah, é mulher. Sabia.

- Ok Dorotéia. Só uma coisa. Fui informado que eu teria vista pra lagoa. E não vi.

- Você tá no quarto 10?

- Sim.

- Uai, você não reparou que dá pra ver a ponta da lagoa? Na hora que você subir você repara.

E fomos para o quarto. Eu tinha que conferir.

E realmente vi a ponta da lagoa. Tão “ponta”, que achei que era um córrego. Talvez a cidade chamasse Poça Santa e eu não sabia.

Fiquei chateado pela segunda vez. Minha namorada, para animar, disse para irmos passear na cidade e esperar pela minha irmã.

E assim foi feito. Andamos pela cidade e minha irmã chegou na hora do almoço.

Depois de enfiarmos o pé-na-jaca em uma churrascaria, contamos da “hospedagem 5 estrelas”. Meu cunhado não acreditou e disse que estávamos exagerando. Apenas ri.

Resolvi comprar cerveja para aproveitar a piscina e quando chegamos na pousada, não acreditei.

TODOS os quartos estavam ocupados. Com exceção do meu e o reservado para minha irmã. Dos quartos restantes, todos estavam ocupados. E todos os ocupantes se conheciam. E todos conheciam a Dorotéia, a dona da Pousada. E todos estavam confraternizando na piscina.

Ficamos um pouco na piscina. Depois subimos para descansar um pouco. Após levantar, e tomar choque na torneira do chuveiro, fomos a um barzinho assistir um jogo da seleção brasileira e voltamos para dormir.

Eu queria ver minha irmã e meu cunhado no café. Estava ansioso. Eles haviam dito que estávamos exagerando.

E no café, no dia seguinte, após o mesmo ritual, eles verificaram que era verdade.

Meu cunhado tentou algo sem sucesso:
- Aqui, posso pedir outro misto.

- Infelizmente não.

E então ele propôs.

- Temos que fazer algo.

Apenas concordei, pois parecia que ele tinha um plano.

(continua...) 

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