Tem base?

Brasil, o país do futebol. Em qualquer canto deste “continente” tem um guri com uma bola debaixo do braço, seja dentro de um condomínio fechado ou num campo de várzea próximo a um aglomerado.

Meu afilhado, Ivan, mais conhecido como “Ivanzinho Pit Bull”. Menino de 12 anos, um craque de bola que possui uma visão de jogo que poucos jogadores profissionais possuem.

Fui a um jogo do garoto, valendo uma vaga na semifinal do campeonato mineiro de sua categoria. Percebia que era querido por toda equipe, a gente percebe que a pessoa pode dar certo a partir da maneira que trata seu companheiro, seu comandante, e isso é um fator positivo do Ivanzinho.

- Ivan, marca o 10 e não deixa esse cara jogar!

- Beleza!

O time modificou depois de sua entrada.  A forma de jogar era completa. Passe bom, marcação e desarme perfeitos, era um volante nato que sai para o jogo.

- Isso, Pit Bull!!! Valeu!

Resultado:  considerado o melhor em campo apesar da derrota nos pênaltis.

Mas o melhor estava por vir.

- Ivan, vem cá...

- Fala treinador.

- Sábado você tem teste no Glorioso, vamos ver o que eles vão achar de você.

O sorriso do garoto foi contagiante. Percebi as lágrimas de seu pai escorrendo, demonstrando o  significado de “dever quase cumprido” , nossos sacrifícios em levar o moleque em todos os cantos para jogar na equipe será, enfim, reconhecido.

Tínhamos  a certeza que se ele jogar a metade do futebol que está em sua essência, ele está dentro, aprovado, seria o novo craque em potencial de seleção Brasileira.

Então, sábado chegou. Primeira etapa de testes, concluído. Fácil.

O responsável em dividir o time dos pré-selecionados começara  chamar nome por nome.

-Jean dos Santos pra lá, Ricardo Ferreira pra cá, Bruno Farnezio pra lá, Ivan Duque pra cá...

Chegou o momento, vamos ver como que o menino se sai.

A bola rolou, Ivan mostrando o que sabia, não se omitia, fazia os espectadores ficarem atentos com seu futebol raro de se ver, principalmente um menino com baixa estatura neutralizando meninos enormes...

Baixa estatura, fator que hoje em dia é negativo no futebol. Mas será que poderia ser o crucial para acabar com um sonho de um futuro craque de 12 anos?

Romário, Maradona, Messi, Bernard (revelação de 2012 do campeonato Brasileiro)  todos craques e não comprometeram, só deram alegria para o futebol. O certo é avaliar o resultado, isso sim.

Acabou o teste. Todos que acompanharam  sabiam que Ivan estava dentro.  Mas...

- O quê?

- Ele é um bom jogador, mas não tem tamanho...

- Isso não é argumento, todo mundo viu que ele é capaz de fazer...

- Pois é, mas temos uma filosofia aqui dentro, infelizmente não podemos sair fora do padrão...

Ficamos calados para não acontecer um momento desagradável ali, no meio de vários pais, crianças e... EMPRESÁRIOS.

- Ei, Ivan!

Um menino enorme se aproximou todo feliz.

- E aí Cristiano, tudo bem?

- Passei,cara... Fui chamado...

Imagina um centroavante horroroso que você já viu TENTANDO jogar bola. Imaginou? Pois é, esse menino era pior, não tinha possibilidade de ter passado. Ele era amigo de Ivan, na equipe Gol Minas Real. 

- Que bom, Cris... Parabéns...

Eu não sabia se aquele olhar era de tristeza ou indignação, mas só sei que era um sentimento único, que pairava em todos nós.

- Não fique assim, Ivan...

- Mas pai, isso é muito injusto...

- Eu sei, eu sei...

Então, seu pai o abraçou com todo carinho e compaixão, sabia que era um momento de frustração. Eu estava ali, parado, bobo de ver como é possível um time de futebol que eu gostava tanto, ter uma equipe incompetente dessa, responsável por abrir as portas para as divisões de base.

- Ei, Rômulo!

- Fala Tarcisio...

- Cara, eu vi tudo, vi como seu menino está, não pude conter, tenho q te avisar uma coisa...

Tarcisio era pai do Cristiano, mesmo feliz  se sentiu na obrigação de comentar algo que nos deixou mais desiludidos com o mundo do futebol.

- Cara, o Cristiano será um bom jogador como vocês viram (“Sei...”) . Mas o que mais facilitou foi aquele cara ali... - Apontou para um cara alto, loiro, meio careca. Era um ex jogador do glorioso que virou empresário de futebol.

- O Jeferson?

-Sim, eu paguei para ele nos ajudar a abrir as portas do Tarcisio. Depois conversa com ele. 5.000 reais...

A indignação já estava sendo exalada , era um absurdo o que estávamos vivenciando ali.

- Entendi, depois converso com ele, favor passar o numero dele por e-mail, se possível. Valeu!

- Tranquilo. Abraços!  Força, garoto... Você é craque...

E Ivan fez um sinal positivo, cabisbaixo...

Segunda feira pela manhã, fomos ao endocrinologista para vermos a situação do garoto. Mesmo sabendo que altura não era fator que fechava as portas para o futebol, teoricamente. Exames foram feitos. Um, especifico, que mostrava a idade óssea da pessoa, foi analisado. Resultado: O Ivan vai crescer muito ainda, ele não teve o famoso “estirão”, era só esperar.

Mas a pergunta está no ar ainda. Será que o futebol Brasileiro sempre estará  a mercê dessa máfia, na qual estão envolvidos empresários e treinadores que se dizem responsáveis da base? Será que meninos que possuem potencial terão alguma oportunidade sem precisar ficar refém dessa “maracutaia” toda? Meu afilhado está aí, senhores presidentes de clubes, senhores técnicos. Querendo ser um jogador de futebol.

Bruno Farnese. Relações Públicas, filho de Roberto e Kátia. Adorador de carne e cerveja, odeia azeitona, perder no xadrez do avô ou na peteca da avó. Gosta de tentar escrever nas horas vagas. Reclamações e sugestões? Você pode segui-lo no Twitter @bfarnese ou no Facebook.