quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Táxi Driver



- Boa tarde, amigo. Entrei no táxi pela porta traseira.

- Boa tarde. Vai descer onde?

- Afonso Pena, 4000.

- Tranquilo. Tá quente né?

- Tá.

- Mas já teve dias piores.

- É, eu sei. Mas um calor desses, uma e meia da tarde, tá foda.

- Uma e vinte e cinco.

- Oi?

- Você disse 'uma e meia da tarde' e são uma vinte e cinco.

- Ah tá. Vai pela Afonso Pena direito que é melhor.

- Eu gosto de ir pela Contorno. Aliás, só ando pela Avenida do Contorno. Detesto a Afonso Pena.

- Entendi.

- Tá indo trabalhar?

- To.


Liga o rádio, começa a tocar Banda Eva.


- Você curte?

- O que?

- Música. Banda Eva.

- Não.

- Você gosta de que?

- Beatles.

- Isso me lembra uma menina que conheci quando morava em Passatempo. Era adolescente e queria pedir a menina em casamento. Mas o filhodaputa do pai dela prometeu um casamento arranjado e eu me casei com uma prima, mas nunca esqueci dela. Aí, depois de 18 anos de casado, separei e fui pra Passatempo para tentar achar algum rastro da garota e depois de procurar pra caralho, tipo uns dois anos, descobri que ela morava na Bolívia. Aí fui até a casa dela, bati na porta e ela atendeu. 

Silêncio no táxi.

- Caraí, mano! E aí?

- Uai! Ela atendeu a porta, eu olhei pra ela, ela me olhou, mas ela tava feia pra carái e aí falei que era engano e voltei pro Brasil.

- Que merda hein. Mas o que os Beatles tem a ver com isso?

- Ah, no busão que eu peguei até a Bolívia tinha um cara com a camisa deles. Aquela da bocona vermelha com a língua pra fora.

- Ah tá!


Silencio no táxi.


- Gosta de futebol? – o taxista me perguntou.

- Gosto.

- Atleticano ou cruzeirense?

- Atleticano.

- Bacana. Mas não gosto dessa porra não.

- Não gosta do Galo?

- Não, futebol!

- Juiz é tudo ladrão, jogador só quer saber de dinheiro, tudo arranjado saporra.

- Não acho não.

- Claro que é!

- Ah, sei lá.


Comecei a mexer no celular. Ele aumentou o volume do rádio que tocava mais Banda Eva.


- CÊ É DOIDO DE TÁ COM BLUSA PRETA! – gritou o taxista.

Olhei pra baixo e lembrei que tava de preto.

- Ah, de boa.

- OI? – ele gritou e abaixou o som.

- Ah, de boa tá de preto.

- De boa nada, tá suando pra carái aí. Mas também, você tá gordinho né? Gordo sua demais.

- É. – já puto.


Silêncio novamente.


- Olha lá. Tá vendo aquele carinha de branco ali ó? Encostado na banca? – me perguntou o taxista.

- Onde?

- Ali ó. Calça jeans, blusa branca dobrada. Tá com celular na mão.

- Que que tem? – não vi, mas menti que vi.

- Aquele cara ali mexe com jogo do Bicho. Bandido fé-da-puta.

- Sério?

- É. Gosto de bandido não. Sou de paz, cara. Detesto violência, detesto crueldade. Mas bandido tem que apanhar demais. Esses cara aí que explora trabalhador, rapaz, tem que apanhar muito. Sou afim de pegar um pedaço de pau e bater na cara dele até rachar o crânio.


Olhei assustado. Ele me olhou pelo retrovisor meio puto.


- Bandido.... -  disse o taxista – Odeio bandido. Tem tudo que morrer, você não acha não? -  e me encarou pelo retrovisor.

- Complicado né? – eu disse, tentando sair pela tangente.

- Complicado, porra nenhuma. Bandido tem que morrer. Que isso, rapaz. Lá perto de casa mesmo... uma vizinha era casada com um policial. Aí o policial precisou viajar pra fazer um curso e ela ficou sozinha. Um filho de outro vizinho nosso, menino ainda sô, com uns, sei lá, 17 ou 18 anos, correu pra casa da mulher lá e vivia lá. E mulher mais velha hein, 40 anos. Aí o policial chegou de viagem e pegou os dois lá.


Silêncio no táxi.


- E aí? – perguntei.

- Uai! Aí o policial foi e deu dois tiros na cara do menino. E tá certo. Bandido ué! Tem que morrer.

- Bandido? Só porque ele tava tendo um caso com a mulher lá?

- Que caso! Ele tava vendo drogas dendacasa da mulher sô! Bandido.

- Entendi.

- To achando que você é desses que defende bandido.

- Eu? – respondi, com a sensação de ter a identidade secreta descoberta.

- É! Você defende bandido, rapaz?

- Ah, não é bem defender bandido né? Só acho que não é ass...

- Ah, menino! Para sô! Na hora que um botar uma arma na sua cara, você muda de opinião.


Ele virou na Afonso Pena. Em dois quarteirões eu chegava. Transito um pouco engarrafado.


- É! Sei lá...

- Tem que parar de ouvir essas bandinhas de fora do Brasil aí que você diz que gosta. Esse povo nem fala da realidade do Brasil.


Lembrei que ele tava ouvindo Banda Eva.


- Ô parceiro, pode encostar aí que eu desço aqui mesmo.

- Mas não chegou ainda não.

- Mas tá garrado aí. Pode encostar que eu desço.

- Tá bom.


Ele encostou o taxi. Deu R$ 17,60. Peguei uma nota de R$ 20.


- Beleza. Aqui ó.

- Porra, tem trocado não?

- Não tenho.

- Só vou ter uma moeda de um real de troco pra te dar.

- Beleza, tranqüilo.

- Aqui ó.

- Valeu! Brigadão hein! Bom serviço aí.

Me desloquei pra descer do lado direito do táxi.

- Desce pelo outro lado ai.

- Mas esse é o lado da rua. Aqui eu desço no passeio.

- Essa porta aí é só pra entrar. Saída é pela esquerda.


Pensei: Puta que pariu! E desci pelo lado esquerdo. O cara colocou o braço pra fora, arrancou o carro e atravessou duas faixas pra pegar a faixa da esquerda. E ainda vi o adesivo no porta-malas dele:

“Tá nervoso? Vai pescar!”



Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha

2 comentários:

  1. "- Uai! Ela atendeu a porta, eu olhei pra ela, ela me olhou, mas ela tava feia pra carái e aí falei que era engano e voltei pro Brasil."

    Ri alto!!!!

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    1. hahahaha! Eu tb quis rir, Fernanda, mas fiquei com medo. O cara era loucaço!

      =)

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