A hora chegou.
Não que a
preparação até ali tenha sido fácil. Pelo contrário, foi preciso muita pesquisa
e horas de sono foram desperdiçadas até aquele momento.
Depois de 4 meses, 6
dias e 3 horas, ela estava ali, pertinho dele, como ele não esperava.
Tudo começou quando
sua mãe pediu pra que buscasse couve lá no Seu Geraldo. Assim que virou a
esquina, viu um carrão preto estacionando em frente à antiga casa do Seu Manoel
que morreu ano passado.
Quando a porta de
trás se abriu, e aquela menina desceu do carro, parecia que estava tudo em
câmera lenta. O olhar descompromissado dela, que parecia se preocupar mais com
os fones no seu ouvido e com o cachorro que estava em seu colo, aparentava ser
de outro mundo.
De provável descendência
japonesa, com a pele clara, olhos puxados, cabelo escuro e liso, fino, franja
cortada rente às sobrancelhas. Usava calça jeans azul, com uma camiseta
vermelha com uma árvore branca no canto direito. E sorriu. Lindamente.
Nunca antes na
história dos seus 14 anos havia sentido o que sentiu naquele momento.
Estranhamente, suas
pernas bambearam e algo esquentou em seu corpo. Ele simplesmente não conseguia
se mover e nem tirar os olhos daquela menina que foi logo entrando na casa.
E só aí que ele se
movimentou.
Quando voltou pra
casa, deixou a compra da mãe em cima da mesa e nem os gritos de “Cadê meu troco?” interromperam a corrida
até a janela do seu quarto, pra ver se conseguiria ver a casa dela.
Pulou até a sua
cama, depois na cama da sua mãe, e por fim subiu no banquinho para alcançar a
janela do banheiro, a única que tinha visão do quintal da casa dela.
Como era linda.
Pena que os seus
sessenta e um quilos distribuídos em um metro e cinqüenta e dois de altura,
aliados aos óculos e às espinhas não atrairiam a atenção dela.
Aliás, como não
atraíra a atenção de nenhuma espécie feminina há dois anos. As únicas
aproximações que recebeu foram de uma freira amiga da sua mãe - que vivia o
abraçando quando o via - e de Caju, a cadela do vizinho que adorava lamber seus
calcanhares.
Passou dias a
admirando pela janela, tanto que até largou o Internacional Super Star Soccer de lado. Sua mãe até estranhou não
ouvir mais as narrações imitando o Sílvio Luiz, e constatar que as revistinhas
do Lanterna Verde e do Batman permaneciam exatamente onde ela havia colocado.
- Filho, tá
acontecendo alguma coisa?
- Não, mãe.
- O que cê tá
fazendo na janela então?
- Nada.
- Você tá bem?
- Tô! Já disse.
- Já que tá bem e
tá à toa, faz um favor pra sua mãe! Corre lá na venda do Periquito e compre
cloro e água sanitária.
- Sério, mãe? Não
pode esperar quinze minutos?
- Não. Agora!
O problema não era
ir ao Periquito, mas perder a chance de vê-la chegando do inglês. Todos os
dias, entre 15h30 e 15h40, o carro da mãe de uma amiga dela parava em fila
dupla, ela saía pela porta de trás com suas meias brancas até os joelhos e saia
negra como os cabelos. Despedia acenando da porta de casa e entrava, fechando o
portão. Em 10 segundos ele a via novamente, quando ela subia as escadas rumo ao
segundo andar da casa.
Todos os dias ele a
olhava nesse horário e agora não poderia para poder ir à venda para sua mãe.
Andando cabisbaixo
pela rua, sem pisar nas linhas do desenho do piso da calçada, pensava em como
falar com ela. Se lembrou que talvez o Porquinho, seu amigo que morava perto da
venda, pudesse ajudar.
- Oi, Porquinho!
- Fala comigo!
- Passei aqui e
perto e lembrei que meu primo me pediu pra te perguntar uma coisa.
- Que primo?
- Não importa. Ele
pediu segredo.
- Tá bom. Fala aí.
- Então. Meu primo
tem um amigo que tá apaixonado com a vizinha dele. E ele é meio feio, sabe?
Como que ele faz?
- Ah, sei lá. Você
sabe que eu não sei chegar nas meninas, né? Elas é que chegam em mim hahahaha!
- Sei. Aham.
- Pois é. Mas sei
lá. Ele tem que chamar a atenção dela. Tipo, jogar bola na frente dela, fazer
uma porrada de gols, dar chapéu, canetinha nos rivais e tals. Aí ela olha pra
ele.
- Mas a vizinha não
o vê jogando bola.
- Como que você
sabe?
- Eu sei.
- Ah, sei lá então.
Eu chamo atenção das meninas assim. Vou ter que entrar porque dei pause no
Sonic II lá e não tem como salvar né?
- Eu sei. Valeu.
Chegou até a venda
pensando que não tinha adiantado nada aquela conversa com o Porquinho e pediu a
água sanitária e o cloro.
- Tá aqui, guri. To
te achando meio pra baixo. Que foi?
- Nada não.
- Tá apaixonado é?
- Eu? Tá doido?
- To vendo os
coraçõezinhos daqui.
- Sério?
- Ó! Te dar um
conselho. Fale pra ela o que você tá sentindo.
- Fome?
- Não. Que você
acha ela linda e etc. Vai por mim.
- Tá bom. A mãe
pediu pra você anotar. Depois ela passa aqui.
- Tá bom. Com Deus
aí! E boa sorte.
Na volta pra casa,
pensou em tudo aquilo e na conversa que teve com o Vinicius, seu psicólogo, que
disse que “aquela insegurança era normal já
que os jovens costumam colocar mulheres em pedestais, estabelecendo possíveis
frustrações como fatos consumados, sendo que o certo era viver os dias sem
grandes anseios. Pois um cotidiano sem frustrações seria aproveitado para
formação do ego sem grandes quedas, e que possibilitaria a retirada do medo do
fracasso, já que as perdas para quem esperava muito eram maiores do que a
vitória para quem esperava pouco”.
Como era difícil
entender aquilo tudo.
E foi aí que
aconteceu. Depois de 4 meses, 6 dias e 3 horas, ela estava ali, pertinho dele,
como ele não esperava.
Ela estava ali, na porta do prédio dele. Sozinha.
Ele com uma sacola
preta com uma garrafinha de cloro e outra de água sanitária.
As pernas tremeram.
A garganta secou. E ela estava ali, a vinte metros dele.
Cenas de filmes românticos passaram pela sua cabeça, uma poesia que tentava decorar, o olhar do Seya para a Saori no Cavaleiros do Zodíaco, a ideia de voltar até a venda do Periquito. Quinze metros.
Era agora ou nunca. Teria que ser a cantada perfeita. Dez metros.
Pensou em ser meticuloso, manhoso na medida certa. Tinha que derreter o coração dela. Pigarreou. Cinco metros.
Saiu o arriscado e infalível. Um metro.
- Oi.
- Oi.
E aí virou um encontro.
Aí viraram três.
Aí virou a vontade de passar mais tempo juntos.
O tempo deixou de ser importante e parecia ter sido ontem.
Parecia que sempre foi.
E parecia ser pra sempre.
Cenas de filmes românticos passaram pela sua cabeça, uma poesia que tentava decorar, o olhar do Seya para a Saori no Cavaleiros do Zodíaco, a ideia de voltar até a venda do Periquito. Quinze metros.
Era agora ou nunca. Teria que ser a cantada perfeita. Dez metros.
Pensou em ser meticuloso, manhoso na medida certa. Tinha que derreter o coração dela. Pigarreou. Cinco metros.
Saiu o arriscado e infalível. Um metro.
- Oi.
- Oi.
E aí virou um encontro.
Aí viraram três.
Aí virou a vontade de passar mais tempo juntos.
O tempo deixou de ser importante e parecia ter sido ontem.
Parecia que sempre foi.
E parecia ser pra sempre.
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