terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Natal



Não tinha jeito. Paulo adorava o Natal.

Tudo porque na família dele era uma farra. E ele sempre ganhava dezenas de presentes. Era da mãe, do padrasto, do pai, da madrasta, dos irmãos mais velhos, dos tios e tias maternos e paternos, da madrinha e do padrinho. E claro, dos avós.

A família do pai era bem característica, dessas que se veem em novelas e livros. O avô paterno era uma figura. Tinha os cabelos brancos, óculos com lente redonda na ponta do nariz e usava suspensórios (mesmo em casa, mesmo sem camisa) e um chinelo bem característico de uma pessoa idosa. Amável e compreensivo, sempre tinha uma história pra contar e um doce escondido para “estragar” o neto.

Já a avó paterna era uma cozinheira de mão cheia, e costureira à moda antiga. Sempre de vestido estampado, com pequenas flores e um avental. Diariamente perdia os óculos pela casa, mas sabia exatamente onde estava tudo o que todos precisavam. Também era amável, e nunca deixou de dar o que os netos pediam pra comer.

Para Paulo, o Natal fazia sentido quando almoçava todo 25 de dezembro e abria um monte de presentes. Até que seu avô chamou.

Inicialmente não queria, mas Paulo foi.

- Paulinho, você não acha que tem muito brinquedo não?

- Não, vô!

- Você tem que ajudar as pessoas. Há criança no mundo que não tem nenhum brinquedo. Olha quantos ganhou nesses anos e olha quantos ganhou hoje. Tem que desfazer de algum.

- Mas vô, eu gosto de todos. E nenhum tá estragado ou quebrado.

- Mais um motivo pra dar algum pros outros. Você gostaria de ganhar algum brinquedo quebrado ou estragado? Um boneco faltando braço? Claro que não né?

- Claro que não né, vô!

- Pois é. Sabe a Lurdinha que trabalha aqui em casa? Então, Marquinhos, o filho dela, não ganhou presente nenhum. Que tal você dar algum pra ele?

Paulo olhou pra criança sentada no fundo do lote do avô e começou a pensar. A Lurdinha não tinha família na cidade e o pai de Marquinhos sumiu no mundo. Era sempre convidada pra passar o natal lá e sempre ficava em um cantinho, junto com o filho.

- Ah vô, mas eu gostei de tudo.

- Eu sei que gostou. Ajudar as pessoas faz bem. Acredite em mim.

Então Paulo olhou em volta. E teve uma ideia.

Na verdade, se lembrou que na noite do dia 24 de dezembro, o Natal era na família da mãe com os avós. E o problema era justamente eles. 

Sua avó materna era uma pessoa humilde, de vida simples e sem muitos luxos. Mesmo assim era amável como poucas. Não tinha quase nada, mas oferecia tudo que podia e sempre dava um presentinho pro neto. Dessa vez, ela mesmo fez um balanço de árvore.

Mas o avô era mais problemático. Era mais rabugento, mais amargo, mas ainda assim carinhoso com o neto. Cabelos e barba brancos, magro toda vida, com marcas do tempo que assustavam as crianças mais novas. Mas não ligava. Não era muito de papo, sempre muito sério, e ainda tinha um problema na perna direita. O mais engraçado é que nunca reclamava de nada e sempre dizia que “não tinha problema na perna direita. A esquerda é que era abençoada”.

O problema é que o avô estava doente, não saía da cama e tinha perda de memória. Às vezes, perguntava duas, três vezes a mesma coisa e as pessoas em volta se irritavam com facilidade.

Nesse natal, foi visitar o avô e ele lhe chamou no canto.

- Oi Guri! Tá vendo aquele pacotinho verde ali em cima da poltrona? Pode pegar, é seu presente de natal.

- Brigado vô!

- Espero que sirva.

Um frio na espinha apareceu no garoto. Era roupa.

Abriu o pacote e constatou. Uma bermuda preta e uma camisa branca. Nem retirou a roupa do embrulho, apenas abriu e viu o que era. E claro, não podia deixar de agradecer o avô.

- Brigado vô!

- De nada.

- E a perna?

- Qual delas?

- A que o senhor tem problema.

- Já disse. Não tenho problema na perna direita. A es...

- A esquerda que é abençoada. Eu sei. Ó vô! Vou lá comer. Brigadão! Tchau!

Nem um abraço ou beijo no avô. Apenas isso: “Brigadão”.


Paulo então pensou, "o melhor era dar a roupa que ganhou do avô materno pro Marquinhos." Assim, ficava livre da roupa, fazia uma criança com um presente e o avô paterno felizes.

- Marquinhos. Toma! Pra você!

- Brigado Paulo.

- Espero que sirva.

E sob a aprovação, e o sorriso, do avô paterno foi brincar com seus brinquedos novos. Lurdinha também era só alegria, enquanto Marquinhos tirava  a roupa do embrulho e viu que um pião caiu.

- Paulinho, caiu aqui ó! É seu!

- Pode ficar. Não quero.

- Obrigado.

Enquanto Marquinhos era só sorrisos com o pião, Lurdinha foi guardar a roupa na mochila do filho. Dias depois, descobriram que havia cem reais escondidos no bolso esquerdo da bermuda e um bilhete.

“Dei essa bermuda de presente para meu neto e, provavelmente, ele deu de presente pra outra pessoa, sem nem experimentar a roupa ou descobrir o pião no bolso direito, pois só quer saber de brinquedos. Se você ganhou essa bermuda dele, fique com o dinheiro. Feliz Natal”

Lurdinha apenas pensou. Realmente, ele tinha a perna esquerda abençoada.


Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha

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