Não tinha jeito. Paulo adorava o Natal.
Tudo porque na
família dele era uma farra. E ele sempre ganhava dezenas de presentes. Era da
mãe, do padrasto, do pai, da madrasta, dos irmãos mais velhos, dos tios e tias
maternos e paternos, da madrinha e do padrinho. E claro, dos avós.
A família do pai
era bem característica, dessas que se veem em novelas e livros. O avô paterno
era uma figura. Tinha os cabelos brancos, óculos com lente redonda na ponta do
nariz e usava suspensórios (mesmo em casa, mesmo sem camisa) e um chinelo bem
característico de uma pessoa idosa. Amável e compreensivo, sempre tinha uma
história pra contar e um doce escondido para “estragar” o neto.
Já a avó paterna
era uma cozinheira de mão cheia, e costureira à moda antiga. Sempre de vestido
estampado, com pequenas flores e um avental. Diariamente perdia os óculos pela
casa, mas sabia exatamente onde estava tudo o que todos precisavam. Também era
amável, e nunca deixou de dar o que os netos pediam pra comer.
Para Paulo, o
Natal fazia sentido quando almoçava todo 25 de dezembro e abria um monte de
presentes. Até que seu avô chamou.
Inicialmente não
queria, mas Paulo foi.
- Paulinho, você
não acha que tem muito brinquedo não?
- Não, vô!
- Você tem que
ajudar as pessoas. Há criança no mundo que não tem nenhum brinquedo. Olha
quantos ganhou nesses anos e olha quantos ganhou hoje. Tem que desfazer de
algum.
- Mas vô, eu
gosto de todos. E nenhum tá estragado ou quebrado.
- Mais um motivo
pra dar algum pros outros. Você gostaria de ganhar algum brinquedo quebrado ou
estragado? Um boneco faltando braço? Claro que não né?
- Claro que não
né, vô!
- Pois é. Sabe a
Lurdinha que trabalha aqui em casa? Então, Marquinhos, o filho dela, não ganhou
presente nenhum. Que tal você dar algum pra ele?
Paulo olhou pra
criança sentada no fundo do lote do avô e começou a pensar. A Lurdinha não
tinha família na cidade e o pai de Marquinhos sumiu no mundo. Era sempre
convidada pra passar o natal lá e sempre ficava em um cantinho, junto com o
filho.
- Ah vô, mas eu
gostei de tudo.
- Eu sei que
gostou. Ajudar as pessoas faz bem. Acredite em mim.
Então Paulo olhou
em volta. E
teve uma ideia.
Na verdade, se lembrou que na noite do dia
24 de dezembro, o Natal era na família da mãe com os avós. E o problema era
justamente eles.
Sua avó materna
era uma pessoa humilde, de vida simples e sem muitos luxos. Mesmo assim era
amável como poucas. Não tinha quase nada, mas oferecia tudo que podia e sempre
dava um presentinho pro neto. Dessa vez, ela mesmo fez um balanço de árvore.
Mas o avô era
mais problemático. Era mais rabugento, mais amargo, mas ainda assim carinhoso
com o neto. Cabelos e barba brancos, magro toda vida, com marcas do tempo que
assustavam as crianças mais novas. Mas não ligava. Não era muito de papo,
sempre muito sério, e ainda tinha um problema na perna direita. O mais
engraçado é que nunca reclamava de nada e sempre dizia que “não tinha problema
na perna direita. A esquerda é que era abençoada”.
O problema é que
o avô estava doente, não saía da cama e tinha perda de memória. Às vezes,
perguntava duas, três vezes a mesma coisa e as pessoas em volta se irritavam
com facilidade.
Nesse natal, foi
visitar o avô e ele lhe chamou no canto.
- Oi Guri! Tá
vendo aquele pacotinho verde ali em cima da poltrona? Pode pegar, é seu
presente de natal.
- Brigado vô!
- Espero que
sirva.
Um frio na
espinha apareceu no garoto. Era roupa.
Abriu o pacote e
constatou. Uma bermuda preta e uma camisa branca. Nem retirou a roupa do
embrulho, apenas abriu e viu o que era. E claro, não podia deixar de agradecer
o avô.
- Brigado vô!
- De nada.
- E a perna?
- Qual delas?
- A que o senhor
tem problema.
- Já disse. Não
tenho problema na perna direita. A es...
- A esquerda que
é abençoada. Eu sei. Ó vô! Vou lá comer. Brigadão! Tchau!
Nem um abraço ou
beijo no avô. Apenas isso: “Brigadão”.
Paulo então
pensou, "o melhor era dar a roupa que ganhou do avô materno pro
Marquinhos." Assim, ficava livre da roupa, fazia uma criança com um
presente e o avô paterno felizes.
- Marquinhos.
Toma! Pra você!
- Brigado Paulo.
- Espero que sirva.
E sob a
aprovação, e o sorriso, do avô paterno foi brincar com seus brinquedos novos. Lurdinha
também era só alegria, enquanto Marquinhos tirava a roupa do embrulho e viu que um pião caiu.
- Paulinho, caiu
aqui ó! É seu!
- Pode ficar.
Não quero.
- Obrigado.
Enquanto
Marquinhos era só sorrisos com o pião, Lurdinha foi guardar a roupa na mochila
do filho. Dias depois, descobriram que havia cem reais escondidos no bolso
esquerdo da bermuda e um bilhete.
“Dei essa
bermuda de presente para meu neto e, provavelmente, ele deu de presente pra
outra pessoa, sem nem experimentar a roupa ou descobrir o pião no bolso
direito, pois só quer saber de brinquedos. Se você ganhou essa bermuda dele,
fique com o dinheiro. Feliz Natal”
Lurdinha apenas
pensou. Realmente, ele tinha a perna esquerda abençoada.
Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha
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