segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Mega Sena da Virada

Este não foi um ano fácil para ela.

Aconteceu de tudo. Ela terminou um namoro de anos, bateu o carro, foi madrinha de três casamentos (solteira), viu sua rival profissional ser promovida no trabalho e ainda caiu sentada no chão na festa de fim de ano da empresa.

Tudo o que ela queria era que o ano acabasse rápido. Tão rápido que nem programou seu réveillon, algo que fazia nos últimos dez anos com, no mínimo, seis meses de antecedência.

Foi só o Natal passar, e o fim do ano se aproximar cada vez mais, que ela se encheu de esperanças. Podia ser apenas um ano ruim, acreditava, e as previsões astrológicas pareciam indicar um ano novo melhor.

Até se arrependeu de não programar o réveillon. Algumas amigas foram para o Rio, outras para um sítio e todas elas fizeram questão de convidá-la, mas estava meio triste e não aceitou.

Agora, estava com astral melhor, mas sem um lugar pra ir. E o pior: sem dinheiro.

Com o término, gastou muito em roupas novas, em um corte de cabelo novo e em sapatos novos, além dos brincos, bolsas e etc. Estava bonita, com roupa, sapato e cabelos novos, mas sem dinheiro para entradas caras e sem um lugar pra ir.

Por isso resolveu investir na “Mega-Sena da Virada”. Entrar o ano novo com dinheiro no bolso (e na conta) seria o ideal.

Problema era só enfrentar a fila da casa lotérica.

Pequena fila da Casa Lotérica
Com o celular na mão, bolsa no cotovelo esquerdo e com um rabo de cavalo corrido e meio atrapalhado, lá estava ela. Talvez fosse atendida até o prazo limite se as cinqüenta e oito pessoas à sua frente não demorassem.

E lá atrás, sendo a última da fila, só restou suspirar e verificar suas redes sociais.


Até que o viu.

Era lindo. Alto.  Tinha barba. Com porte físico interessantíssimo. Isso era tudo que sua miopia permitia ver. Não sabia se tinha todos os dentes ou se era monocelha, mas tudo indicava que ele era bonito mesmo.

Ele estava andando em sua direção, com uma calça jeans bem bacana e um tênis apropriado. Usava uma camisa cinza, estampada no peito com uma boca vermelha e língua pra fora, famoso símbolo dos “Rolling Stones”, o que indicava um gosto musical condizente com o seu. E o melhor de tudo. Sem aliança no dedo.

Acompanhou a caminhada dele em sua direção com euforia, até ele parar e conversar com um segurança. Parecia que ele queria informações sobre a localização de algo, pois enquanto o segurança apontava e parecia explicar, ela só pensava “Eu to aqui... Precisa me procurar mais não”.

Depois das informações passadas pelo segurança, ela viu que ele tirou o celular do bolso e parecia ligar pra alguém. Por um segundo até conferiu se era pro seu celular, mas se lembrou de que ele não tinha seu telefone. Ainda.

E então, depois dele explicar algumas coisas pelo telefone e olhar três vezes para o relógio, desligou. Conferiu o relógio, agradeceu o segurança e voltou a vir na direção dela.

Ela então olhou pra trás e viu que só tinha uma pessoa atrás dela. Um menino esquisito, meio gordinho, com fones no ouvido e camisa dos Beatles.


- Pode passar na frente.

- Ah, obrigado.

Pronto. Agora o cara entraria na fila, puxaria papo com ela, descobririam várias coisas em comum, se casariam em três anos, em pleno outono e teriam dois filhos, sendo a menina mais velha com os olhos da mãe e o nariz do pai, enquanto o menino (caçula) teria os olhos e o sorriso do pai, mas com o cabelo da mãe. Ela se chamaria Ren...

- Com licença.

- AH MEU DEUS! Que susto!

- Desculpe, não queria te assustar...

- Sem problema.

- É, o menino da sua frente tá achando graça. Começou a rir, rsrsrs.

- Ahn?

- Nada. Bom, você é a última da fila?

- Sim.

Neste momento, ela percebeu. Ou melhor, sentiu. As coisas não podiam ser tão perfeitas assim. Tinha que ter algo que atrapalhasse.

- Ah, obrigado.

- De nada.

- Você sabe quanto está o prêmio, moça?

- Não.

- Aliás, qual seu nome mesmo?

- Lívia.

- Oi Lívia. Prazer, me chamo Eduardo.

- Oi.

- Então, você já fez seu jogo?

- Já.

- Bacana...

- ...

- Você é monossilábica assim?

- Sou.

- Entendi.


Ela não conseguia nem olhar na cara dele. Quer dizer, até poderia olha pra ele, só não conseguiria fazer por longo tempo. Porque ele foi usar o mesmo perfume que seu ex? Por que?

E o pior é que cada vez que aquele aroma entrava por seu nariz, mil lembranças saltitavam na memória e a fazia se recordar daquele cara de quem tanto gostou e tanto a machucou.

Lembranças doloridas que geraram, inclusive, lágrimas em seus olhos. O gordinho da frente até tirou os fones de ouvido e perguntou se estava tudo bem, mas não estava.

- Não, tudo bem.

- Você quer seu lugar de volta?

- Não, pode ficar.

- Ok.

E depois de 30 minutos, foi atendida e fez sua aposta, na esperança que seu ano começasse melhor, com confiança na sorte. Não necessariamente para acertar os seis números e levar a Mega-Sena, mas para conseguir, pelo menos, uma Virada na vida, nem que seja na amorosa.

Ainda não se sabe se ela não ouviu, ou se ouviu e não quis responder quando o gordinho disse algo pra ela quando saiu da lotérica.

Independente disso, ele repete e diz que é de coração.

- Boa sorte, moça. Que você tenha um 2014 melhor e que seu desejo mais profundo seja realizado.


Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha

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