Este não foi um ano fácil para ela.
Aconteceu de tudo. Ela terminou um namoro de anos, bateu o
carro, foi madrinha de três casamentos (solteira), viu sua rival profissional
ser promovida no trabalho e ainda caiu sentada no chão na festa de fim de ano
da empresa.
Tudo o que ela queria era que o ano acabasse rápido. Tão rápido
que nem programou seu réveillon, algo que fazia nos últimos dez anos com, no mínimo,
seis meses de antecedência.
Foi só o Natal passar, e o fim do ano se aproximar cada vez
mais, que ela se encheu de esperanças. Podia ser apenas um ano ruim,
acreditava, e as previsões astrológicas pareciam indicar um ano novo melhor.
Até se arrependeu de não programar o réveillon. Algumas
amigas foram para o Rio, outras para um sítio e todas elas fizeram questão de
convidá-la, mas estava meio triste e não aceitou.
Agora, estava com astral melhor, mas sem um lugar pra ir. E
o pior: sem dinheiro.
Com o término, gastou muito em roupas novas, em um corte de
cabelo novo e em sapatos novos, além dos brincos, bolsas e etc. Estava
bonita, com roupa, sapato e cabelos novos, mas sem dinheiro para entradas caras
e sem um lugar pra ir.
Por isso resolveu investir na “Mega-Sena da Virada”. Entrar
o ano novo com dinheiro no bolso (e na conta) seria o ideal.
Problema era só enfrentar a fila da casa lotérica.
Pequena fila da Casa Lotérica |
Com o celular na mão, bolsa no cotovelo esquerdo e com um
rabo de cavalo corrido e meio atrapalhado, lá estava ela. Talvez fosse atendida
até o prazo limite se as cinqüenta e oito pessoas à sua frente não demorassem.
E lá atrás, sendo a última da fila, só restou suspirar e verificar
suas redes sociais.
Até que o viu.
Era lindo. Alto. Tinha barba. Com porte físico interessantíssimo.
Isso era tudo que sua miopia permitia ver. Não sabia se tinha todos os dentes
ou se era monocelha, mas tudo indicava que ele era bonito mesmo.
Ele estava andando em sua direção, com uma calça jeans bem
bacana e um tênis apropriado. Usava uma camisa cinza, estampada no peito com uma
boca vermelha e língua pra fora, famoso símbolo dos “Rolling Stones”, o que
indicava um gosto musical condizente com o seu. E o melhor de tudo. Sem aliança
no dedo.
Acompanhou a caminhada dele em sua direção com euforia, até
ele parar e conversar com um segurança. Parecia que ele queria informações
sobre a localização de algo, pois enquanto o segurança apontava e parecia
explicar, ela só pensava “Eu to aqui... Precisa
me procurar mais não”.
Depois das informações passadas pelo segurança, ela viu que
ele tirou o celular do bolso e parecia ligar pra alguém. Por um segundo até
conferiu se era pro seu celular, mas se lembrou de que ele não tinha seu
telefone. Ainda.
E então, depois dele explicar algumas coisas pelo telefone e
olhar três vezes para o relógio, desligou. Conferiu o relógio, agradeceu o
segurança e voltou a vir na direção dela.
Ela então olhou pra trás e viu que só tinha uma pessoa atrás dela. Um menino
esquisito, meio gordinho, com fones no ouvido e camisa dos Beatles.
- Pode passar na frente.
- Ah, obrigado.
Pronto. Agora o cara entraria na fila, puxaria papo com ela,
descobririam várias coisas em comum, se casariam em três anos, em pleno outono
e teriam dois filhos, sendo a menina mais velha com os olhos da mãe e o nariz
do pai, enquanto o menino (caçula) teria os olhos e o sorriso do pai, mas com o
cabelo da mãe. Ela se chamaria Ren...
- Com licença.
- AH MEU DEUS! Que susto!
- Desculpe, não queria te assustar...
- Sem problema.
- É, o menino da sua frente tá achando graça. Começou a rir,
rsrsrs.
- Ahn?
- Nada. Bom, você é a última da fila?
- Sim.
Neste momento, ela percebeu. Ou melhor, sentiu. As coisas não podiam ser tão
perfeitas assim. Tinha que ter algo que atrapalhasse.
- Ah, obrigado.
- De nada.
- Você sabe quanto está o prêmio, moça?
- Não.
- Aliás, qual seu nome mesmo?
- Lívia.
- Oi Lívia. Prazer, me chamo Eduardo.
- Oi.
- Então, você já fez seu jogo?
- Já.
- Bacana...
- ...
- Você é monossilábica assim?
- Sou.
- Entendi.
Ela não conseguia nem olhar na cara dele. Quer dizer, até
poderia olha pra ele, só não conseguiria fazer por longo tempo. Porque ele foi
usar o mesmo perfume que seu ex? Por que?
E o pior é que cada vez que aquele aroma entrava por seu
nariz, mil lembranças saltitavam na memória e a fazia se recordar daquele cara
de quem tanto gostou e tanto a machucou.
Lembranças doloridas que geraram, inclusive, lágrimas em
seus olhos. O gordinho da frente até tirou os fones de ouvido e perguntou se
estava tudo bem, mas não estava.
- Não, tudo bem.
- Você quer seu lugar de volta?
- Não, pode ficar.
- Ok.
E depois de 30 minutos, foi atendida e fez sua aposta, na esperança
que seu ano começasse melhor, com confiança na sorte. Não necessariamente para
acertar os seis números e levar a Mega-Sena, mas para conseguir, pelo menos, uma
Virada na vida, nem que seja na amorosa.
Ainda não se sabe se ela não ouviu, ou se ouviu e não quis
responder quando o gordinho disse algo pra ela quando saiu da lotérica.
Independente disso, ele repete e diz que é de coração.
- Boa sorte, moça. Que você tenha um 2014 melhor e que seu
desejo mais profundo seja realizado.
Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha
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