terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

The Guifather


- Opa! E aí?

Olhei pros lados e não vi ninguém.  Em plena hora do almoço e na porta do serviço me aparece um doido. Ou vendedor. Ou um vendedor doido. Ignoro.

- Pô Guilherme!

Talvez seja comigo mesmo. Melhor responder.

- Opa!

- Porra, cara, como você some assim? Tá sumido demais.

Quem é esse cara?

- Ah, coisas da vida né?

- E aí, tá aqui na Afonso Pena 4000 ainda? Tem um tempo que você tá aqui né!

- Tô né? – Tenho que descobrir quem é esse cara – E você? Tá onde?

- No mesmo lugar.

Fudeu. Nenhuma pista.

- Bacana.

- E aí? E o namoro?

Olho pra mão dele e tem aliança.

- Tá bom demais, cara, valeu. E o casamento?

- Bem demais, valeu.

- Bacana. – coço a barba. Silencio constrangedor.

- E teu time? Que merda foi aquilo domingo, cara? Time feio demais. Respeita o líder porra.

Olho com ódio pro cara. Tento o fazer sufocar usando a Força, mas em vão. Chego a fazer aquela mãozinha de Lego discretamente para ver se o enforco, mas lembrei que não sou Jedi.

- Mineiro né. Grandes merdas.

- Ah, desculpa isso hein. Mas aqui, você não sabe quem eu encontrei sábado. Chuta aí.

- Sei lá.

- Anda, chuta aí.

Não sei nem que é você, quem dirá quem encontrou sábado.

- Sei lá, cara. Fala aí.

- Pô, cara. O Vitão! Trabalha no seu prédio lá!

- Bacana hein.

Olho no relógio. E penso que ele vai desconfiar que não o conheço. Ele insiste.

- Cara, mas que bom te encontrar. Tava precisando falar com você.

- Eu tô meio com pressa, cara...

- É sério, Guilhermão!

Fiquei preocupado. Melhor ouvir o cara.

- Fala aí.

- É muita coincidência, cara, eu encontrar você aqui. Justo agora.

- Cara, to preocupado. Fala aí.

- Então, vamos sentar ali ó. Quero te pedir um favor.

Olho pro lado e vejo duas cadeiras. Imaginei que ia pedir algo. Como não faço ideia de quem seja, é hora de fazer hora com a cara dele. Como Michael Corleone, sento na poltrona devagar, puxando a barra da calça um pouco pra cima e cruzo a perna e descanso as mãos. Ergo um pouco o braço direito, apoiado nos cotovelos e com o dedo indicador e o dedo médio juntos, faço um movimento pra ele continuar e encosto a mão no rosto.

Assim. Mas de calça jeans, camiseta e sem gel no cabelo.

- Bom, na verdade, eu fiz uma merda com sua colega de trabalho e queria que você conversasse com ela pra mim, pra ela me desculpar. Até falei com o Pedro, do 4º andar, mas ele não conseguiu nada. Me ajuda, cara, pago até seu almoço.

Na mesma posição, levanto apenas a mão direita.

- Por que foi até o Pedro? Por que não veio até mim primeiro?

- Cara, eu preciso de ajuda.

- Nós nos conhecemos já. Já conversamos algumas vezes e não consigo me lembrar da última vez que você me convidou para tomar um café ou uma cerveja. Sejamos francos aqui: você nunca foi meu amigo.

- Calma cara, eu to em falta, eu sei.

- Mas, agora, você vem até mim e diz “Guilherme, me ajude”. Mas você não pede com respeito. Você não oferece sua amizade. Você nem mesmo me chama de padrinho. Ao invés disso, você vem até onde trabalho e pede para que eu te ajude em troca de comida.

- Eu só preciso da sua ajuda.

Me levanto da cadeira.

- Se você viesse até mim em amizade, essa menina te perdoaria hoje mesmo.

- Você vai me ajudar, amigo?

Penso em estender a mão e aguardar que ele beije minha mão e me chame de padrinho. Mas na porta do serviço não seria legal ver essa cena.

- Bom. Algum dia, e este dia pode não chegar nunca, eu vou lhe chamar para fazer um serviço para mim. Mas, até este dia chegar, aceite esta ajuda como um presente meu.

- Obrigado! Obrigado! 

Ele se levanta e me abraça.

- Prego!

- Oi?

- Nada não, esquece.

- Eu sabia que você ia me ajudar. Afinal, meu grande amigo Guilherme Ribeiro não poderia me deixar na mão.

A ficha cai. Existe um outro Guilherme que trabalha no mesmo local que eu. Possivelmente teria que convocar uma reunião com o chefe da Famiglia Ribeiro e das outras famílias para rirmos juntos.

- Manda um email pra mim falando quem é, a merda que você fez e o que quer que eu faça que eu te ajudo.

- Valeu, viu?

- De nada.

- Ah, a propósito. Desculpa por aquela mancada no fim de ano. Vacilei contigo.

- Tranqüilo.

- Brigadão, cara. Você é gente boa demais.

- Vai com Deus aí.


Rachando de rir, desço a rua pra ir almoçar. Algo me dizia que era dia de comida italiana. 



Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha

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