Quem me conhece,
pessoalmente, sabe que eu ando à pé pela cidade, com fones no ouvido e mochila
nas costas.
É só subir ou
descer a Avenida Afonso Pena, aqui em Belo Horizonte , no trecho entre a Avenida Brasil
e a Praça da Bandeira, no período entre 07:50 e 08:30 da manhã, que irão
avistar um gordinho de tênis, com fones brancos nos ouvidos e uma mochila
preta. Faço isso todos os dias.
Enquanto ouço as
notícias do dia na Rádio BandNews FM, me afasto do caos do trânsito e aproveito
a caminhada diária para pensar na vida. Vejo pessoas passando por mim e fico
imaginando o que passa na vida de cada uma delas, quais as profissões que
exercem, seus sonhos, problemas e desejos.
Sou uma criança
nessa caminhada. Às vezes ando sobre o meio fio, não gosto que outras pessoas
andem mais rápido que eu e fico puto quando realmente me ultrapassam.
E numa dessas
caminhadas, eu vi um bilhete.
Aliás, um pedaço de
bilhete. Rasgado. Largado.
Esse bilhete. |
Com um horário, um
dia da semana, meio endereço. Uma palavra que não entendi.
Imaginei mil
coisas.
Poderia ser uma
consulta médica. Uma pessoa doente, em um último recurso para manter a vida,
precisando daquela consulta esperançosa para conseguir passar mais tempo com a
família.
Quem sabe um
encontro de amantes? Pessoas que possuem relacionamentos amorosos constituídos,
longos, mas que se apaixonaram e resolveram se entregar aos desejos e nada mais
seguro que um encontro em uma segunda-feira, 08 horas da manhã.
Ou talvez uma
entrevista de emprego. Um adolescente em busca de sua primeira oportunidade de
trabalho, ou um idoso procurando mais uma chance pra demonstrar que consegue
produzir muito bem ainda. Ou um adulto médio vindo do interior batalhando para
ter uma chance de sustento.
Poderia ser uma
busca desesperada para amenizar dificuldades financeiras. Um encontro com um
agiota que iria fazer um empréstimo com juros altíssimos para mais uma
tentativa de realizar um sonho de um negócio próprio.
Porque não
imaginar, talvez, um encontro da máfia dos olhos-puxados que dominam os
shoppings populares. Sei lá, uma Yakusa Belohorizontina, com os chefes das
famílias asiáticas reunidos para estabelecer as normas éticas de condução dos
negócios de forma que todos saiam ganhando.
E se fosse apenas
um trabalho de um motoqueiro qualquer que iria entregar aquele envelope polpudo
de mais uma empreiteira corrupta para mais um político corrupto que iríamos
ficar sabendo meses ou anos depois?
Poderia ser um
monte de coisa.
Mas não queria
imaginar que se tratava de um término de relacionamento, de uma pessoa
demitida, de um documento qualquer de alguém que faleceu recentemente, ou um
atendimento médico com notícias trágicas.
Porque de ruim já
bastam as notícias que ouço todos os dias, que tratam de corrupção, morte,
fraudes, acidentes e tragédias. Notícias que ouvia ali mesmo, enquanto via o
bilhete e imaginava várias coisas.
Aquele pequeno
bilhete rasgado, mesmo que por alguns instantes, não poderia ser portador de
más notícias. Era sinal de que eu poderia imaginar que, em algum lugar da
cidade, alguém estava extremamente esperançoso de que algo daria certo.
Assim como eu
estava quando voltei a caminhar.
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