quarta-feira, 4 de março de 2015

O Bilhete


Quem me conhece, pessoalmente, sabe que eu ando à pé pela cidade, com fones no ouvido e mochila nas costas.

É só subir ou descer a Avenida Afonso Pena, aqui em Belo Horizonte, no trecho entre a Avenida Brasil e a Praça da Bandeira, no período entre 07:50 e 08:30 da manhã, que irão avistar um gordinho de tênis, com fones brancos nos ouvidos e uma mochila preta. Faço isso todos os dias.

Enquanto ouço as notícias do dia na Rádio BandNews FM, me afasto do caos do trânsito e aproveito a caminhada diária para pensar na vida. Vejo pessoas passando por mim e fico imaginando o que passa na vida de cada uma delas, quais as profissões que exercem, seus sonhos, problemas e desejos.

Sou uma criança nessa caminhada. Às vezes ando sobre o meio fio, não gosto que outras pessoas andem mais rápido que eu e fico puto quando realmente me ultrapassam.

E numa dessas caminhadas, eu vi um bilhete.

Aliás, um pedaço de bilhete. Rasgado. Largado.

Esse bilhete.

Com um horário, um dia da semana, meio endereço. Uma palavra que não entendi.

Imaginei mil coisas.

Poderia ser uma consulta médica. Uma pessoa doente, em um último recurso para manter a vida, precisando daquela consulta esperançosa para conseguir passar mais tempo com a família.

Quem sabe um encontro de amantes? Pessoas que possuem relacionamentos amorosos constituídos, longos, mas que se apaixonaram e resolveram se entregar aos desejos e nada mais seguro que um encontro em uma segunda-feira, 08 horas da manhã.

Ou talvez uma entrevista de emprego. Um adolescente em busca de sua primeira oportunidade de trabalho, ou um idoso procurando mais uma chance pra demonstrar que consegue produzir muito bem ainda. Ou um adulto médio vindo do interior batalhando para ter uma chance de sustento.

Poderia ser uma busca desesperada para amenizar dificuldades financeiras. Um encontro com um agiota que iria fazer um empréstimo com juros altíssimos para mais uma tentativa de realizar um sonho de um negócio próprio.

Porque não imaginar, talvez, um encontro da máfia dos olhos-puxados que dominam os shoppings populares. Sei lá, uma Yakusa Belohorizontina, com os chefes das famílias asiáticas reunidos para estabelecer as normas éticas de condução dos negócios de forma que todos saiam ganhando.

E se fosse apenas um trabalho de um motoqueiro qualquer que iria entregar aquele envelope polpudo de mais uma empreiteira corrupta para mais um político corrupto que iríamos ficar sabendo meses ou anos depois?

Poderia ser um monte de coisa.

Mas não queria imaginar que se tratava de um término de relacionamento, de uma pessoa demitida, de um documento qualquer de alguém que faleceu recentemente, ou um atendimento médico com notícias trágicas.

Porque de ruim já bastam as notícias que ouço todos os dias, que tratam de corrupção, morte, fraudes, acidentes e tragédias. Notícias que ouvia ali mesmo, enquanto via o bilhete e imaginava várias coisas.

Aquele pequeno bilhete rasgado, mesmo que por alguns instantes, não poderia ser portador de más notícias. Era sinal de que eu poderia imaginar que, em algum lugar da cidade, alguém estava extremamente esperançoso de que algo daria certo.

Assim como eu estava quando voltei a caminhar.



Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha

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