terça-feira, 19 de maio de 2015

Comendador do Crime



É, eu sei que estou sumido.

Na verdade, estou igual aos ex-BBB’s: Envolvido em alguns projetos por aí. E acreditem, minha vida tá corrida. Estou fazendo um curso pela manhã, trabalhando à tarde, estudando à noite e fazendo caminhadas nos momentos possíveis (como ir da minha mesa até o restaurante, do ponto de ônibus até a minha casa, ou da minha mesa de estudos até o banheiro).

Por isso, graças a Deus – e à legislação trabalhista vigente – consegui uns dias de férias. Não foram muitos, porém necessários para que conseguisse dormir um pouco mais do que as 06 horas nas quais meu corpo descansa.

Aproveitei esse momento para dormir, estudar, dormir, comer, dormir, assistir a filmes, dormir e me atualizar nas séries do NetFlix. Mais precisamente: Demolidor.

E então, vendo os episódios, um sentimento, ou melhor, uma frustração que por anos esteve adormecida em mim, saiu das sombras e resolveu se revelar: Eu não tinha uma jaqueta de couro.

Sempre quis ter uma. O Indiana Jones, o James Bond, o MelGibson, o Bruce Wayne, o Wolverine, os Beatles. Todos têm. Mas eu não queria a deles (talvez a do arqueólogo), mas uma em especial.

Eu queria uma jaqueta de couro de mafioso.

Aquela jaqueta que quando as pessoas olhassem nas ruas já imaginariam que eu estava recolhendo o pagamento pela proteção dada, ou fruto do crime organizado. Como os capangas e asseclas do Rei do Crime, das histórias do Demolidor.

Saí já planejando como iniciar meu Império do Crime nas ruas de Belo Horizonte. Me imaginava usando uma camisa social, calça jeans e botas, todos pretos, andando com minha jaqueta de couro e óculos escuros, sendo conhecido como o Comendador do Crime. Já comecei até a treinar uma voz rouca, misturando o Don Vito Corleone com o Darth Vader.

Obviamente precisava de uma jaqueta de qualidade, que atendesse ao meu exigente padrão de elegância e discrição. Fui ao local mais apropriado de Belo Horizonte para adquirir minha indumentária maligna: O Oiapoque Mall (ou Shopping Oi).

Para quem não conhece esse complexo de compras belo-horizontino, informo que é um shopping temático. Além de praticamente todos os stands de lojas serem dominados pelos asiáticos, o local parece Pequim, pois tem um contingente populacional similar ao da capital chinesa, um cheiro de pastel que atravessa ruas e uma velocidade média de caminhada próxima a 0,1 km/h.

E nessa Chinatown mineira, percorri os estreitos corredores até encontrar um stand especifico para jaquetas. Uma moça se aproximou e já fiquei imaginando qual seria a senha para ter acesso a uma sala secreta, na qual conversaria com um contrabandeador que me mostraria os produtos de qualidade superior.

- Posso ajudar?

- Claro. Procuro jaquetas de couro.

- Tá gripado, moço? Tá com a voz estranha... Mas pode vir aqui comigo.

Fiz uma anotação mental para melhorar minha rouquidão.

- Obrigado.

- Olha essa, aqui moço.

Era uma jaqueta bonita. Nitidamente couro sintético. Aliás, só sintético mesmo, nada de couro.

- Nosso couro é diferenciado, totalmente sustentável e importado.

Pensei em rir dela e dizer que o Comendador do Crime não poderia ser conhecido por usar couro sustentável. Seria ridicularizado no encontro das famíglias do crime.

- Tem outras?

- Olha essa.

Era uma boa jaqueta, bonita, com bolsos na frente e zíperes prateados. Vestiu bem, mas na escala de mafiosos eu estaria mais próximo do Fredo Corleone do que do Vincent Mancini do Andy Garcia. Aliás, qualquer um dos membros da Quadrilha de Morte da Corrida Maluca teria mais cara de mafioso do que eu.

- Uai, moço, ficou boa hein!

- Sei não.

- Sério. Tá ótima.

- É a única que tem?

- Tem essa aqui, oh. Da coleção do ano passado.

Achei! O Graal das jaquetas. O elo perdido dos casacos de máfia. Era como eu queria. Gola larga, bolsos grandes, possivelmente com um canivete no bolso direito. Vesti a jaqueta aos poucos, o tamanho no punho estava perfeito. Ajeitei a gola pra cima e quase pedi um cigarro pra um transeunte que passava apenas para acendê-lo, comprimir os olhos e falar com o olhar estilo Clint Eastwood. “Quer sumir da minha frente ou terei que meter uma bala na sua cara?”.

Era uma jaqueta assim. Até o De Niro teria medo de mim...

Porém, a jaqueta não fechava. Tentei umas três vezes, mas não consegui.

- É, acho que essa ficou apertada né, moço? Pior que não tenho dela maior, não.

Eu não conseguia acreditar. Eu, o Comendador do Crime, vencido por estar acima do peso. Vi meu Império ruir em segundos simplesmente porque eu estou gordo.

- Certeza? Não tem tamanho GG não?

- Não. Só essa G e uma M.

Malditos orientais magrelos.

- Tudo bem. Fazer o quê.

Certeza que o FBI e a Polícia Federal brasileira respiraram aliviados com o fim do meu Império. Estava acabado o Comendador do Crime.

- Leva a outra, ficou boa. E é de couro legítimo.

Mesmo sabendo que não era couro – ou talvez fosse de uma espécie que possui couraça sintética no corpo e que habita na China – resolvi ficar com a jaqueta.

- Vou levar. Vocês parcelam esse valor?

- Sim. Em até três vezes.

- Três? Faz em cinco vezes não?

- Não. Só três. As operadoras de cartão de crédito cobram taxa para parcelamento acima de três parcelas.

- Tudo bem.

Paguei a jaqueta, coloquei na sacola e fui embora pra casa sabendo que além de perder meu Império pra gordura, era explorado por outra máfia. 

A das Operadoras de Cartão de Crédito.



Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha

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