Não se lembra se
foi às 21h ou às 22h. Talvez tenha sido às 21h30. Mas quando o viu atravessando
a rua, já sabia o problema dele: Era coração partido.
De calça jeans,
camiseta cinza e chinelo, atravessou a rua cabisbaixo, coçando a barba de dois
dias e entrou, sentando ao balcão.
- Fala ae, Djair.
- Opa! Como você
tá, meu filho?
- Tô levando né? Vê
uma Brahma.
- Claro. Aqui ó.
Quantos copos?
- Dois. Tem alguém
chegando aí.
Ele então colocou a
cerveja sobre o balcão, viu seu cliente servir um copo, colocá-lo ao lado e
repousar a garrafa sobre a mesa, deixando o outro vazio.
Com trinta e dois
anos de bar, Seu Djair sabia como poucos o quê aquilo significava. Aquele seco
na garganta quando nem a cerveja resolve, geralmente é problema de relacionamento.
Só pode ser coração partido.
Enxugou dois copos,
vendeu fichas da sinuca e fritou seis bolinhos de aipim. Tava até esquecendo o
amigo no balcão quando a companhia dele chegou.
- Fala ae, Djair.
Como é que tu tá, meu querido?
- Tranquilo, Lekinho,
tudo certo e você? Seu amigo ali que não tá muito bem.
- Imaginei, vou lá
trocar um papo com ele.
E de longe, viu o
cara, enfim, esboçar uma reação. Levantou, abraçou o amigo recém chegado e
sentou de novo.
Ambos falavam baixo
e a única frase que ouviu bem foi um “Saporra
tá quente né? Desperdiçando cerveja, tá ruim mesmo hein?”, mas Seu Djair
viu que nem com o Lekinho a conversa desgarrava da garganta.
Cinco minutos
depois o telefone do Lekinho tocou e ele foi pra rua atender. Conversava
gesticulando muito e, ao mesmo tempo, cumprimentando as pessoas que passavam.
Já o amigo não.
Estava lá no balcão, ainda olhando pro copo vazio, sem demonstrar qualquer
reação. Chegou a tirar o telefone do bolso, talvez para conferir se havia
chegado alguma mensagem ou se alguém tinha ligado e ele não tinha percebido,
mas talvez fosse a falta de notificações que o mantinha naquela catarse.
Nem quando o
Lekinho gritou da porta que ia até a casa da Lucinha buscar “uma parada
rapidinho” e que “se não voltasse até às 23h é porque não ia voltar mais, e que
amanhã ligava”, ele se mexeu.
Era hora de tentar
ajudar.
- Meu filho, fica
assim não. Time do Galo tá bom e o Flamengo tá nessa tristeza há um tempo né?
Era previsível.
- Né isso não.
- É o que então? Tá
precisando de algo aí?
- Valeu, Seu Djair,
mas tô bem aqui.
- Tá bem nada. Essa
tristeza tá azedando meus ovos de codorna ali de tão densa e contagiosa. Anima
aí, rapaz. Vou te dar um bolinho pra tu animar. Cabei de fritar.
Quase que um
sorriso saiu, mas ficou só na ameaça do canto da boca. Logo olhou pra baixo de
novo e levantou a cabeça com o cheiro do bolinho.
- Come aí ó.
Cortesia pra você animar.
- Brigadão, deixa
aí.
- Quer uma
branquinha? Tem uma cachaça de Minas que um amigo trouxe espetacular. Dá uma
esquentada boa.
- Pode ser, valeu.
E Seu Djair serviu
a pinga e colocou ao lado do bolinho.
- Oh, mas a cachaça
eu vou cobrar tá? Ela e a cerveja.
- Tranquilo, Djair.
Soma aí que eu acerto amanhã.
Foi aí que Seu
Djair se preocupou. Não pelo dinheiro – até porque sabia que esse não era o
problema - mas porque sempre havia piadinhas sobre conta pendurada e ele nunca
havia recusado uma pinga e um bolinho de aipim.
- Você sabe que o
problema não é esse né? Meu filho, olha só, quando um camarada senta nesse
balcão aqui e enche a cara, eu sei que é pra esquecer ou pra comemorar. Mas
quando senta e não bebe é porque tá angustiado. Hoje é domingo, tá tarde e se
tu tá sofrendo assim, certeza que é coração partido. Vai pra casa, dá um tempo,
faz uma ligação e tenta resolver.
Ele levantou os
olhos do balcão, mas manteve o olhar perdido. Só que desta vez, parecia estar
pensando no que ouvia.
- Amanhã é outro
dia. Liga pra pessoa e fala o que tu tá sentindo. Se tudo der certo, tu volta
aqui pra comemorar. Se der errado, tu volta pra esquecer. Tamo combinado?
- Tu tá certo, Seu
Djair. Valeu.
Ele então levantou,
jogou vinte reais sobre o balcão e segurou o ombro do Seu Djair. Apenas deu um
pequeno sorriso e disse “até amanhã”.
Saiu do bar e seu
Djair apenas sorriu e disse para um sujeito que jogava sinuca.
- Eu sabia. Só
podia ser coração partido.
OBS: Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha
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