terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Arnaldinho


Arnaldinho era um jovem adolescente como outro qualquer. 

Sem conhecer o pai e com dois irmãos mais novos, a família era sustentada com muito sacrifício pela mãe e com ajuda de sua avó. Estudava em uma escola pública abandonada pelo Estado e sofria por querer algumas coisas e não ter condições financeiras de conseguir.

Para piorar, não podia nem descansar no domingo, pois era dia da mãe vender marmitas na feira de artesanato da cidade. 

Em um domingo nublado, depois de muito ajudar sua mãe, a fome bateu e ele queria um pastel e um caldo de cana. Como já estava na hora de ir embora e o garoto trabalhou bem, foi presenteado com o dinheiro, mas recebeu a ordem de aguardar perto da saída da avenida principal.

Na fila do tão aguardado lanche, assustou-se com um idoso barbudo cheirando a cachaça perto dele.

- Quer dinheiro, rapaz?

- Oi?

- Quer dinheiro?

- Ué, não era para o senhor me pedir dinheiro?

- Não, claro que não! Por que acharia isso? Só quero te oferecer um pequeno serviço.

- Mais estranho ainda. Mas pode dizer.

- Tá vendo aquela barraca com objetos de ouro? Que tem uns tapetes, uns narguilés?

- Sim.

- Tá vendo um objeto dourado, pontiagudo, que parece uma chaleira achatada?

- Sim.

- Então. Quero que o pegue pra mim.

- Peraí! Não sou ladrão! Tá louco?!

- Quem disse que é pra roubar? Vai lá, pergunte o preço, pegue e traga até mim. Te darei o dinheiro e você paga ao senhor da barraca.

- E por que não vai lá?

- Ele não venderia pra mim. Todo mundo acha que sou mendigo e ele nem me daria confiança.

Arnaldinho pensou bastante. Não parecia haver problemas e um dinheirinho não faria mal.

- Tá bom. Quero R$ 50,00.

- Te dou R$100,00!

- O senhor é bem estranho, né?! Tá bom, já volto.

Arnaldinho pegou o item e perguntou o preço ao senhor.  Então, uma correria se iniciou na feira. Aparentemente a polícia estava correndo atrás de uns camelôs irregulares e um pequeno confronto se iniciou. Várias pessoas correndo, barulho de cachorros latindo, latas caindo. Até o dono da barraca jogou uma lona por cima de tudo e correu também.

Sozinho no meio da confusão e com aquele objeto na mão, procurou pelo idoso barbudo e não o encontrou. Até que sua mãe chegou correndo puxando o menino pelo braço e o levou embora.

Já em casa, ao pegar aquele objeto estranho e pontiagudo, percebeu que havia algo escrito, mas não conseguia ler. Então, com a parte debaixo da sua camiseta, esfregou bem o local sujo e... uma luz se acendeu e as letras pareciam brilhar. 

Com dificuldade, viu que estava escrito “Você concorda com os termos e condições de uso?”... surgiram então mais duas palavras: “SIM” e “NÃO”. Apesar de achar aquilo bem esquisito, ele deslizou o dedo em cima do “SIM”.

Nesse momento, o objeto começou a tremer e uma imagem holográfica foi projetada na parede em frente. Nela, um sujeito de meia idade, com barba e cabelo longos grisalhos, olhos claros e pele bronzeada aparentava acabar de acordar.

- EU SOU O GÊNIO DA LÂMPADA! ATENDEREI AO MEU MESTRE! VOCÊ TEM DIR..

- Um gênio?





















- SIM! - respondeu impaciente.

- Num holograma? Achei que você sairia de dentro da lâmpada. Cadê a fumaça, a projeção astral?

- O sindicato dos gênios proibiu a fumaça, porque estava fazendo mal e tínhamos que receber adicional de insalubridade. Além disso, por videoconferência é mais barato, economizamos com deslocamento e tal. Mas vamos de novo... SOU O GENIO DA LÂMPADA! ATENDEREI AO MEU MESTRE! VOCÊ TEM DIR...

- Maravilha! Terei direito a três desejos! – comemorou Arnaldinho – Eu já sei o prim...

- Peraí! Quem disse que você tem direito a três desejos?

- Ué, sempre foram três, né?! Todas as histórias que li falavam que o gênio da lâmpada concedia três desejos a quem esfregasse...

- Isso são histórias, garoto. O Departamento de Marketing trabalhou isso aí há muito tempo, talvez em milênios passados, para atrair interessados... mas hoje não funciona assim. O Sindicato também impede isso aí, povo ficava na dúvida do que pedir, demorava e gerava hora extra. Por fim, fecharam em um pedido só. Então pensa aí. Vamos lá, de novo. EU SOU O GÊNIO DA LAMPADA! ATENDEREI AO MEU MESTRE! VOCÊ TEM DIREITO A UM DESEJO! PEÇA E IREI REALIZAR!

Arnaldinho então ficou pensando no que pedir.

- Você tem um minuto, garoto!

- Já sei! Meu desejo é ter três desejos!

- Isso não vale. Esta prática é proibida e está descrita nos termos e condições que você assinou.

- Sério?

- Sim. Então, vamos lá? Qual pedido?

- Posso pedir para ressuscitar meu avô?

O gênio então colocou a mão no rosto, demonstrando claro descontentamento.

- Você não leu os termos e condições né, garoto?!

- Não, né! Ninguém nunca lê.

- Tá bom, vou resumir. Não pode pedir para mudar o passado, não pode pedir para prever o futuro, não pode pedir pra ressuscitar alguém, não pode pedir para conhecer alguém, fazer alguém se apaixonar ou trazer a pessoa amada em três dias, não pode pedir mais desejos e nem coisas abstratas, tipo felicidade, alegria, e etc.. Ah, e não pode pedir para a libertação do gênio que te atender.

- Isso também foi o Sindicato?

- Sim.

- Bom, acho que vou querer dinheiro então.

- Ótimo.

- Meu desejo é: QUERO SER A PESSOA MAIS RICA DO MUNDO.

- Olha, não sei os valores de hoje, mas isso seria quanto?

- Hã?

- Eu não sei quem é a pessoa mais rica do mundo agora e isso é abstrato. Trabalho com valores.  Quanto você quer?

- Posso pedir quanto quiser? – os olhos dele brilharam.

- Sim.

- Quero 100 QUAQUILHÕES DE DÓLARES!

- Quaquilhões?

- Isso! Muito, né?!

- Não, na verdade não existe isso.

- Não? Então eu quero 100 bilhões de dólares!

- Tá bom. Conta corrente pra eu depositar?

- Conta?

- É ué! Ou você acha que vou te entregar em notas de cinquenta? Depois você será assaltado e vem reclamar... lembre-se de que não tem seguro nos termos e condiç...

- Tá, tá! Já entendi. Mas eu não tenho conta.

- Bom, vou fazer o seguinte. Vou depositar pra você no banco parceiro nosso daqui, pra não gerar taxas extras, tá bom?

O gênio então estalou os dedos. Um envelope foi cuspido pelo objeto com um pequeno papel na frente.

- Pronto. Só assinar essas duas vias do Recibo de Desejo Atendido e prontinho.

- Assinado.

- Agora é só enrolar os recibos e colocar na pontinha aí.

- Pronto.

- Vou pedir pra você aguardar pra qualificar meu atendimento, tá?! Só um minuto. Boa tarde.

Após dar cinco estrelas para o gênio, Arnaldinho olhou para o envelope que recebeu pela lâmpada e viu que tinha o cartão do banco, senha e etc..

Realmente estava bilionário.

Voltou para casa e contou a novidade para a mãe. Em poucos meses, comprou casa, carro, casa na praia, programou viagens e queria só aproveitar a vida. Sua mãe e seus irmãos poderiam viver em paz.

Pena que durou pouco.

A imprensa logo descobriu que havia um novo bilionário no país e começou a investigar a vida dele e de sua família. Fotos, entrevistas com conhecidos, tudo era motivo para estampar as capas dos jornais e revistas. Alguns disseram que ele era herdeiro de um milionário africano e que seguiu os passos do email que recebeu, outros disseram que ele ganhou na Mega Sena da Virada e seguiu os conselhos da Empiricus e multiplicou o dinheiro.

Ninguém se importava se era fake news ou não.

Mas Arnaldinho assustou quando recebeu uma notificação da polícia para comparecer e explicar a origem do dinheiro. Um boato de que ele era filho do Lula dominou o país e aí a imprensa nadou de braçada. Obviamente ninguém na Polícia acreditou na história da lâmpada e do gênio e ele foi denunciado pelo Ministério Público. Só não foi condenado porque conseguiu comprar parte do Poder Judiciário. Enfrentou problemas com a Receita Federal e, pra piorar, vivia recebendo convites para encontros com políticos. Um tormento só.

No final, perdeu quase todo o dinheiro em Imposto de Renda e IOF, fora a propina. Perdeu também seus amigos antigos, porque agora olhavam pra ele como bandido, e os falsos amigos, porque não era mais um bilionário.

Foi aí que Arnaldinho percebeu que deveria ter pedido outra coisa para o gênio: um pastel com caldo de cana e que dinheiro fosse depositado em um paraíso fiscal...

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