quarta-feira, 18 de junho de 2014

Vai ter Copa

Ele não gostava de Copa.

Não, não era da Copa no Brasil, pois não importava se era na Grécia, na Conchinchina ou aqui. Ele não gostava. Nunca gostou.

Tudo bem que era novo... E essa seria sua primeira Copa como torcedor adulto, já que tinha 12 anos na última, mas nada o empolgava. Sua mãe e sua irmã mais velha tentaram incentivá-lo. Seus amigos o convidaram para o bar e até sua vizinha tentou arrastá-lo para a rua, mas nada parecia motivá-lo a acompanhar a competição.

Podia até ser teimosia, ou uma simples rebeldia da idade, mas o fato é que ele não estava nem aí para nada. Até o pai foi tentar conversar com ele.

Os dois tinham uma relação mediana. Se amavam, apesar de torcerem para clubes diferentes. Se entendiam, apesar de estilos de música e de cinema diferentes.

- Filho, não quer ver o jogo comigo?

- Não gosto de Copas, pai. Você sabe disso.

- Sei, mas nunca entendi.

- Nunca vi razão nisso.

- É a confraternização dos povos, filho. Veja como torcedores convivem em paz. Argentinos e brasileiros convivendo felizes, as pessoas se unem para pintar a rua e fazer festa. Já te contei que o Pelé, uma vez, par..

- Parou uma guerra. Já sei. Mas não gosto.

- Eu sei que você não gosta filho. Só não entendo porque.

- Nunca vi muita graça nisso, nunca vi essa alegria toda.

E então, a ficha caiu para o pai. A palavra chave era alegria.

- Filho, deixa eu te contar uma história. A vida é feita de momentos de alegria e de tristeza e a Copa é assim. Ela serve para podermos contar a história de nossas vidas, mostramos como as situações mudam e como vivemos momentos de altos e baixos. Quando tinha sua idade, estava empolgado com a nossa seleção de 82. Era linda, mágica e fazia o país parar, ainda mais porque estávamos saindo da época da ditadura. Mas ela perdeu. Meu coração sangrou de dor e saí do bar tremendo de raiva. Quando cheguei no ponto de ônibus, não resisti e chorei. Chorei compulsivamente e uma moça veio me abraçar e dizer que nada estava perdido. Essa moça era sua mãe. Nos apaixonamos logo depois e começamos a namorar. Em 1986, estávamos namorando, apaixonados, empregados e felizes. Mas três dias antes do Zico perder o Pênalti, seu avô faleceu. E ali achei que seria a maior dor da minha vida. Em 1990, o Brasil perdeu pra Argentina! Argentina! Mas me casei com sua mãe dois meses depois e achei que seria a maior alegria da minha vida! E como foi bom. Tão bom quanto ganhar a Copa de 94. Mas a maior alegria da minha vida viria na Copa seguinte, quando você nasceu. E olha que perdemos pra França na final. Sei que talvez você guarde um sentimento ruim dentro de você porque me separei da sua mãe em 2010, mas aproveite esse mês para fazer sua vida mudar.

O filho permaneceu calado. Talvez estivesse com o olho marejado, mas sentiu o conselho do pai.

- Filho, não se torture com nada. Aproveite a Copa. Durante um mês, de quatro em quatro anos, nós mudamos. Afastamos nossos heróis tão distantes como o Batman, o John Lennon e o Indiana Jones para ver aqueles seres humanos correrem por nós. Deixamos de ouvir os Stones, de assistir ao Clint Eastwood e de discutir com quem torce para clubes diferentes, apenas para acompanharmos jogos de futebol que nos marcarão para sempre. Tenho certeza que você se lembrará daqui a 20 anos do que estava fazendo na final dessa Copa! Vai por mim!

- Tá bom, pai...

- Ah! E lembre-se. Sua última Copa pode ter sido ruim pra você de alguma forma. Mas a próxima pode ser boa. Essa é na sua casa ainda! Aproveite a oportunidade que tem e se divirta. Tome. Pegue esse dinheiro e vá encontrar com seus amigos.

E ele foi. Não queria reconhecer, mas algo tinha mudado nele.

Ligou para seus amigos e foi encontrar com eles.

Conversou com alemães, ingleses, colombianos e até com iranianos. Fez amigos japoneses, russos e chilenos.



Mas foi aquela morena que sorriu pra ele no primeiro gol, e o abraçou no segundo, que fez a diferença.

Enfim, começou. Ia ter Copa.


Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha

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