Finalmente, ela havia chegado
em casa.
Exausta, sentou-se no
sofá e reclinou a cabeça para o teto com os olhos fechados. Soltou um longo
suspiro e quase adormeceu, sendo interrompida pelo seu cachorro que abanava o
rabo e olhava pra ela.
Usando o resto da força que possuía,
retirou os sapatos, acariciou o animal e o trouxe para o sofá. Com Bob entre os
braços, suspirou novamente, relaxou o corpo e enfim ia adormecer.
Ia.
Até seu telefone tocar. Deixou
tocar três vezes, mas lembrou que o controle da TV estava em cima da mesa, ao
lado do aparelho e daquela conta de TV a Cabo que insistia em colocar “Lígia
Aparecida” ao contrário de “Lívia Aparecida”, seu nome correto.
Como não conhecia o número, não
atendeu a chamada e ligou a televisão.
Ao ver as cenas do acidente
aéreo que ocupava quase todos os canais televisivos, o seu corpo reagiu. Primeiro
sentiu um frio na espinha com as imagens e a extensão do dano causado pela
queda do avião. Depois sentiu pena das
pessoas que estavam desesperadas atrás de notícias de passageiros da aeronave.
Por fim, sentiu que não podia ficar em casa.
Como o Superman quando se
aproxima do Sol, suas baterias pareciam ter sido recarregadas. Calçou novamente
os sapatos, mesmo com o olhar triste do Bob, pegou o celular sobre a mesa,
trocou a água e acrescentou ração para seu animalzinho e saiu de casa.
Do outro lado da cidade, ele
também tinha acabado de chegar, após ir ao supermercado e fazer compras para a
casa.
Com uma long neck na mão, tomava sua cerveja sossegado, com o Abbey Road
dos Beatles tocando na sua vitrola e as pernas esticadas.
Cantarolava Come Together com os olhos fechados e
agradecia aos céus pela existência dos canais infantis que hipnotizavam seus
dois filhos em frente a TV, permitindo que ele relaxasse tranquilamente
enquanto sua esposa tomava banho.
Pena que não durou 10 minutos,
pois um amigo e fiel escudeiro mandou imagens da TV pelo Whatsapp informando
sobre o acidente de avião.
Não conseguiu nem terminar sua
cerveja. Apenas gritou “Amor, vou ter que
sair” e mandou o filho mais velho cuidar da caçula enquanto a mamãe não
saia do banheiro e saiu de casa com o celular no ouvido. “Cara, Viegas falando. Vi as imagens aqui e to indo”
Já ali, perto do local do
acidente, ela acordou desesperada.
Depois de horas e horas no
trabalho, ali pertinho de casa, enfim, adormecia.
Sonhava com seu filho que morava na Bélgica e as férias que passaram juntos no fim do ano passado, quando acordou com o barulho e seu apartamento tremendo e caiu da cama com o susto.
Sem entender o que acontecia,
tentou ir à janela mas a poeira e a fumaça não deixavam que visse nada. Correu
para a sala, ligou a TV e nem viu que seu celular tocava, completamente
estarrecida com o que via.
Nem parecia que aquilo tudo
ali ocorria ao lado da sua casa. Se não fossem as sirenes, a poeira e a fumaça,
acharia que era filme americano.
Quando se deu conta que seu
telefone tocava, atendeu, mas vestia a calça ao mesmo tempo em que pegava a
bolsa e saia correndo de casa.
- Alô! Alô! Sou eu, Juliana. Pode
falar. Ah, oi filho! VI agora na TV. To bem sim, mas não to entendendo nada
direito...
E saiu de casa.
Lívia saiu de casa com tanta
pressa que se esqueceu de colocar o uniforme. “Se fosse em Londres, usava a Cabine Telefônica mesmo” pensou e riu
ao mesmo tempo.
Foi a primeira a chegar. E apenas
quando chegou, colocou o uniforme enquanto chorava ao ver a situação.
Usou a força que tinha para
empurrar um pedaço de madeira que impedia o acesso ao epicentro do acidente.
Juliana chegou depois. Como
morava perto, conhecia os atalhos para chegar lá e conseguiu acesso fácil.
Não que fosse vantagem, pois a
situação era crítica.
Por fim, a dupla dinâmica chegou.
Assim que o carro dele parou, Lívia viu.
- Merda! Ele já chegou.
Mas nem deu tempo de sentir
raiva, porque viu Juliana lá também, agachada, com os olhos marejados.
- Não tem sobreviventes, Lívia.
- Eu sei, Juliana.
Infelizmente, eu sei. Minha equipe tá chegando.
- É, a minha também. Vou fazer
uma ronda aqui e ver nas imediações o que posso fazer.
- Antes disso. Viegas tá vindo
aqui. Quem fala com ele?
- Você, Lívia. Sempre é você.
- Droga.
- Calma. É o serviço dele. Ele
também tá cansado, deixou pessoas em casa. Mas tá aqui pra ajudar. E trabalhar.
- Eu sei, Juliana. Eu sei.
- Boa sorte. Vou sair antes
que ele me veja aqui.
- Oi Lívia.
- Oi Viegas. Já chegou a dupla
dinâmica. Você, seu fiel escudeiro e o cinto de utilidades né?
- Infelizmente né? Que tragédia.
- Nem me fala.
- Vamos trabalhar então?
- Fazer o que né?
- É a vida. Preparado garoto?
Ok? vamos então. No três. 1, 2, 3...
“Boa noite. Estamos ao vivo do local onde ocorreu o grave
acidente aéreo. Vamos falar agora com a Tenente do Corpo de Bombeiros Lívia Aparecida...”
Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha
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