quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Primavera



Estava radiante.

Depois da conclusão do Ensino Médio no fim do ano anterior, a tão sonhada viagem para Porto Seguro com a turma do colégio iria ocorrer. O ano estava começando com o pé direito, afinal, estaria mais perto dela.

Desde a oitava série guardava um lugar especial para ela naquele galpão chamado coração. O primeiro andar possuía apenas três portas intituladas “Família”, “Atlético-MG” e “Senhor dos Anéis”. Já o segundo era todo dela. Na escada que daria acesso ao segundo andar, com certeza tinha uma placa escrito “Entrada permitida apenas para Juliana Damasceno Guimarães”.

Foram quatro anos escondendo essa paixão dentro do peito. No primeiro ano, pensou em se abrir, mas ela estava namorando o Pedro do terceiro ano. Já no segundo e no terceiro, estava com o Cauã da outra turma. Mas eles terminaram em setembro. Agora, estava solteira.

Chegou atrasado ao salão de embarque e só teve tempo de encontrar com a guia da agencia de viagens que já estava gritando por ele no saguão. Pegou a passagem e já teve que ir correndo despachar a bagagem. Só encontrou com a turma mesmo na sala de embarque.

Logo que chegou, já tomou um tapa na nuca.

- Porra! Até que enfim, Gabriel.

- Fala,Tomate!

- Achei que tinha desistido!

- Nada, peguei trânsito só.

- Precisa procurar não. A Ju tá ali. Olha lá.

- Quem disse que tô procurando a Juliana?!

- Nem precisa dizer, né?! Eu sei.

Realmente não precisava. Ele já tinha procurado por ela, mas não a viu.  Quando o Tomate apontou pra ela, resolveu não olhar.

- Bora ali comprar uma água, Tomate. Deixa de papo furado.

No avião, deixou de entrar por último e também não a viu. Descobriu que dividiram as passagens entre as poltronas da frente e do fundo da aeronave, e a dele era bem próxima da porta. Como só a veria no desembarque, fechou os olhos e acabou dormindo, acordando só na aterrissagem.

Mas quando o avião pousou foi uma loucura. Houve aplausos, assovios, batuques e o comandante teve que chamar a atenção dos passageiros. Depois, o caos da saída. Uma luta para retirar a bagagem, localizar o guia, juntar todos os formandos e os colocarem nos ônibus e finalmente chegar ao hotel.

Pelo menos, tudo já estava separado e, assim que chegaram, quatro guias indicavam os quartos que ocupariam. Depois de muitas negociações e trocas, conseguiu dividir o quarto com o Tomate.

Foi o tempo de chegarem, tomarem banho e irem dormir.  “Ju fica para amanhã. Ainda tenho sete dias”.

No dia seguinte, acordaram cedo para tomar café e irem para a praia.

No saguão, ele teve um susto. 

Viu uma mulata, cabelo anelado, linda.  “Não é possível... Débora?!?!”

- Gabriel! Você tá bem, cara?

Gabriel não respondeu. Estava petrificado. Depois de cinco anos, rever Débora era o que menos esperava. Nunca esqueceu aquele rosto, aquele sorriso, aquela que foi o seu primeiro amor.

Só voltou à realidade quando tomou outro tapa na nuca.

- Acorda, porra! Tô te chamando...

- Foi mal, Tomate.

- Que foi, mano?

- Nada.

Quando olhou novamente, a meninajá havia saído. Não viu para onde foi, nem com quem estava. Não sabia nem se a tinha visto de verdade. Uma miragem, talvez...

Tomaram café e foram para a praia. Passaram o dia inteiro no quiosque em frente ao hotel e voltaram para descansar. Durante o dia inteiro ficou desconfiado que no segundo andar chamado “Juliana Damasceno Guimarães” daquele galpão chamado coração, havia uma sala escura e empoeirada chamada “Débora”.

Foram para quarto apenas para descansar um pouco, tomar banho e voltar para o bar do hotel.

Ao chegar, viu Débora com duas possíveis amigas numa mesa num canto, com sete copos de caipivodca vazios e dois cheios. Conversavam alegremente, exibindo aquele sorriso lindo, perceptível a quilômetros.

Desta vez, ela não iria embora sem conhecê-lo.

- Gabriel, olha a Ju ali. Tá linda, né?!

- Hoje não, Tomate.

Tentou simular o olhar de Aragorn para a Arwen, do Homem Aranha para a Mary Jane, do Raí para a Babalu. Era naquele momento ou nunca mais.

- Oi.

- Oi! - E sorriu.

- Desculpa meninas, mas posso roubá-la por um instante?

- Claro! – respondeu uma delas rindo.

- Obrigado. Podemos conversar um instante?

- Podemos.

- Bem, você não me conhece, mas eu acho que te conheço. Meu nome é Gabriel e nos conhecemos em 98 no Parque Aquático de Vila Formosa...

- Olha, eu estive lá, mas não nos conhecemos, né?!

- Bom, eu queria te conhecer, te vi lá e tudo mais, mas... quer dizer, acho que fiquei meio assim, como se diz, sem graça de me apresentar e...

- Ah, eu lembro! Você era o menino que jogava mal para caramba, né?!

- Isso! – respondeu encabulado.

- Ah sim, me lembrei. Meu nom...

- É Débora, certo?

- Isso.

- Quer comer algo, Débora?

- Claro.

E foram comer. Conversaram muito, se conheceram melhor e só então descobriu que ela morava na mesma cidade que a dele, porém tinham ritmos de vida totalmente diferentes. Ela namorava um rapaz e estava querendo cursar Direito. Ele queria Tecnologia da Informação ou Psicologia, ainda estava em dúvida, mas gostou de saber dos interesses dela.

Era incrível como a conversa simplesmente fluía. Era gostoso trocar ideias com ela, contarencontros e desencontros amorosos da vida de solteiro...ela dizia que ia apresentá-lo para uma amiga que tinha tudo a ver com ele, enquanto ele agradecia e perguntava sobre o namoro.

Despediram-se com um beijo no rosto e a promessa de se verem novamente no dia seguinte.

Ao voltar pro quarto, Tomate quase voou no pescoço dele.

- Onde você tava, bicho?!

- Tava por aí, porquê?

- Cara, você sumiu com aquela menina lá e me deixou sozinho, né?! Aí procurei os caras da turma e acabou que eles tavam no quiosque da praia. Adivinha quem tava lá?!

- Não sei.

- A Ju e as meninas. Adivinha quem perguntou por você?!

- A Ju?

- Não, a Pri. Disse que você tava por aí com uma amiga e adivinha quem ficou nervosa?

- A Pri?

- Não, porra, a Ju! Acho que ela não gostou não.

- Bom, o problema é dela.

Tomate não entendeu, pois sabia que o amigo era apaixonado com a Ju há tempos.

- Hummm, olha o cara! E aquela menina lá?

Gabriel contou toda a história sobre Débora e a viagem com os pais. Depois contou da conversa com ela na lanchonete e na caminhada pelo hotel e de como estava surpreso de encontrá-la logo ali. Por fim, disse que no dia seguinte iria encontrá-la novamente e que estava mais ansioso do que quando o Gandalf não chegava à batalha de Helm.

Por fim, Tomate contou da noitecom a turma e dormiram. Gabriel só pensava na Débora.

Os dias foram passando e as coisas se repetiam. Gabriel e Débora passavam uma boa parte do dia juntos. Encontravam interesses em comum, assuntos intermináveis e horas se passavam, mas nada acontecia.

Na última noite na cidade, quando saiu do banho, Gabriel quase enfartou quando viu Tomate parado na porta do quarto com os braços cruzados.

- É hoje hein, Gabriel!

- Como assim?

- Não aguento mais você nessas paixões aí. Hoje você resolve essa história com a Débora, ou com a Ju, sei lá.

- Cara, eu e Débora somos amigos. Ela tem namorado e não ac...

- Para, cara! Tá a semana toda andando com essa menina pra cima e pra baixo. Sabia que a Ju me perguntou hoje se a Débora era sua namorada?

- Sério?

- Sério.

-Mas não ach..

- Gabriel, é a Ju! A menina que você fala na minha cabeça há quatro anos! Conversa com a Ju hoje, vai por mim.

Finalmente, a ficha caiu. Mal cumprimentava a Ju e passava a maior parte do dia com a Débora. Ela era linda, mas estava perdendo a oportunidade, talvez a última, de se aproximar da sua paixão dos últimos anos.

- Gabriel, vai ter o luau de despedida da galera agora. Pensa aí no que você vai fazer.

- O pior é que já marquei com a Débora...

- Pensa, cara, pensa.

- Tá bom.

Desceu e encontrou com Débora ao lado da piscina. Com um vestido branco com rendas e uma flor vermelha no cabelo, assim que viu Gabriel, levantou o pé esquerdo e dobrou levemente o joelho, descansando o quadril sobre a direita, enquanto abria os braços e transmitia a mensagem “Como estou?”.

Nesse momento, um sinal vermelho com uma placa embaixo chamada “Alerta” soou no galpão chamado “coração” e acenderam as luzes, deixando escura somente a sala chamada “Juliana Damasceno Guimarães”. Como estava linda...

Com um sorriso, disse apenas “Uau” e deu o braço para que caminhassem juntos.

Caminharam na praia e ao retornarem para o hotel, escutou um telefone tocando. Débora retirou o telefone da bolsa e um pouco constrangida saiu para atender. Gabriel fez sinal de que iria esperar, mas quando ouviu “Oi amor” despertou.

Olhou para o outro lado da rua e percebeu que o luau estava acontecendo ali, na areia, bem em frente ao hotel.

Sem pensar duas vezes, foi para o luau, procurando primeiro a tenda do bar.  Comprou uma cerveja e quando viu, Ju estava do outro lado da tenda.

Ela estava linda. O cabelo pouco cacheado, um sorriso aberto, o copo de caipirinha que ela bebia sensualmente. Um olhar cabisbaixo para o canudo, que ela girava calmamente na borda do copo e ajeitava um faixa de cabelo atrás da orelha.

O som estava alto, Araketu rolando, Gabriel olhava, desviava o olhar, olhava de novo, buscando confirmações de que era pra ele mesmo que ela olhava. Olhando para ela, apontou para si mesmo, pedindo confirmação de maneira tão clara que a fez sorrir.

Ela então pediu um papel e anotou algo.

- Gabriel!

- Oi, Débora.

- Desculpe.

- Tudo bem, era seu namorado, né?!

Débora ficou sem reação.

- Eu sei, pode falar.

- Era.

- Sem problema.

- Olha só, mas não é o que você tá pensando. Ele quer conversar comigo quando chegar. A gente não tá muito bem.

- Tá tranquilo, Débora. Só vou ao banheiro ali rapidinho.

Gabriel saiu da tenda e caminhou direção de Ju da forma mais casual do mundo, olhando para os lados, menos pra ela. De repente, estava na frente dela.

- Oi! – ela diz sorrindo.

- Oi! – devolve o sorriso.

Passou por ela, ainda de forma casual, e foi até o banheiro.Na volta, não encontrou nema Ju e nem a Débora.

- Com licença, você chama Gabriel? – perguntou o rapaz da tenda.

- Sim.

- Aquela menina deixou isso pra você.

Um bilhete: “Oi Gabriel! Me liga 9876-4122. Ju”

Com um sorriso no rosto, sentou na areia e olhou para o mar.

- Fala Gabriel, que sorriso é esse? – disse Tomate, sentando-se ao seu lado.

- Olha isso, cara! – e mostrou o bilhete.

- E a Débora?

- Débora é passado. Esse bilhete é um presente. E a Ju é meu futuro.

Tomate sorriu, deu dois tapas no ombro de Gabriel e disse:

- Que viagem, meu amigo, que viagem!


Este texto é parte da série “Quatro Estações do Verão”. Para ler "Inverno", clique aqui. Para ler "Verão", clique aqui.

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