quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Inverno


Gabriel abriu os olhos, mas não quis se levantar ficou deitado e viu que horas eram.

Era para estar empolgado, pois era o primeiro dia da viagem de férias com a família, mas o que queria mesmo era ter ficado sozinho em casa, com seu Super Nintendo ou jogando RPG com a turma do colégio. Finalmente seu personagem estava evoluindo e, junto com os amigos, conseguiram atravessar a Floresta dos Sinos e estavam se aproximando do fim da campanha. 

Mas seus pais não deixaram. “Uma semana só”, eles disseram. “Você vai adorar, lá tem parque aquático e várias atividades de lazer. É quase um resort. Quando voltarmos você continua seu joguinho com os coleguinhas.

A única saída foi pedir pros amigos não jogarem naquela semana que ele estaria fora e pra um deles cuidar do Shazam, seu cachorro de estimação. 

Levantou e trocou de roupa. Lavou o rosto e colocou um boné, já que a preguiça de pentear cabelo dominava seu corpo. Calçou os chinelos e desceu para tomar café da manhã.

- Até que enfim, Gabriel. Já são quase 10 horas da manhã. – disse o pai.

- Deixa o menino descansar, amor. Primeiro dia só. Ele tá cansado da viagem de ontem. – respondeu a mãe. - Vai lá tomar café. Tem pão, presunto, bolo. O melão está docinho. 

- E não demora não. Sua irmã já tomou café, passou protetor e já até fez amizade ali. Olha lá pra você ver. Toma esse café rápido pra gente pegar mesa boa na beira da piscina. – ordenou o pai.

Gabriel não teve muita escolha. Pegou dois pães de sal, presunto, queijo, uma fatia de bolo e uns biscoitos, além de um copo de suco. Apesar dos pedidos de “Põe fruta nesse prato, Biel. Tá comendo mal demais!” da mãe, tomou o café e foi para área de piscina com os pais.

O pai levou o jornal do hall do hotel e sua mãe um livro. Ambos começaram a ler e ele não tinha nada pra fazer. Só pensava no videogame, no RPG e nos quadrinhos, já que ainda faltavam duas semanas para a nova revista do Homem Aranha e do Batman chegar às bancas.

Então, tirou o discman do bolso e foi ouvir os CD’s que trouxe.  Deitou numa espreguiçadeira, fechou os olhos e focou na música.

Foi quando alguém o cutucou. 

- Opa! Beleza? Você joga bola?

Era um menino que aparentava ter a mesma idade dele. Estava de short, tênis e meião, e uma bola debaixo do braço.

- Ah, cara, valeu. Jogo não.

- Larga de ser mole, Gabriel. Vai jogar bola. – disse o pai, intrometendo no assunto. – Ele joga sim viu, garoto. 

- Deixa o menino, Agenor.  – interviu a mãe.

Gabriel olhou para o menino e para o pai que dizia que "na idade dele eu jogava bola o dia inteiro" e achou melhor aceitar o convite. Seria melhor que ouvir o discurso do pai.

- Eu vou então. Só vou calçar o tênis e vou. 

- Ok, vou com você, pode?

- Claro.

- Me chamo Felipe. 

- Gabriel, beleza?

- Beleza. 

Foram até o quarto e Gabriel deixou o Discman e calçou o tênis. Foram para o campinho e ele então percebeu que tinha mais uns 20 meninos para jogar. “Ótimo, nem vou precisar jogar”, pensou.

Um menino que parecia ser mais velho apareceu com um saco de pano e disse que tinham tampinhas numeradas e quem tirasse da tampinha 1 a 8 ficariam no time de camisa, da 9 a 16 no outro time e quem tirasse tampinhas maiores ficaria no time de fora.

Gabriel então deixou todos enfiarem a mão e foi ficando entre os últimos, até que chegou sua vez. “17... 17”, pensava, já que era seu número na chamada do Colégio. Mas tirou o 5. Jogaria no time do Felipe e pelo menos estaria no time com camisa.

Times separados, todos preparados para começar o jogo.

Gabriel ficou posicionado mais atrás, perto do goleiro. Estava parado, com a mão na cintura, o pé direito mais a frente do esquerdo. Foi quando aconteceu.

Ele viu duas meninas sentando na pequena arquibancada ao lado. Lindas. Uma era branquinha, cabelo preto escorrido. A outra era negra, com cabelo anelado. O cabelo mais bonito que já havia visto na vida.

Voltou para o mundo real quando alguém apitou e o jogo começou. 

Tentou se concentrar no jogo, mas era impossível. Só tentava arrumar um jeito de olhar pra aquela menina de novo.

Mas antes que pensasse, não percebeu um menino passando do seu lado direito e recebendo a bola.  Quando percebeu e tentou tirar a bola, ela já estava passando pelo goleiro e alcançando as redes.

Uns dois minutos depois o time sem camisa marcou de novo e o jogo acabou. 

Na saída de campo, tentou reparar mais naquela que parecia ser a futura mãe dos seus filhos. Pode perceber um sorriso que nunca tinha visto antes, um gesto de prender o cabelo atrás da orelha que fazia seu coração disparar. Estava sentindo coisas que nunca sentiu antes.

Mas ela levantou antes que se aproximasse da arquibancada. Havia algo na forma em que ela se movia que o fazia perder a noção de tempo e espaço. Estava grogue.


Passou o resto da tarde pensando nela. Seu pai até perguntou se o macarrão do almoço havia feito mal, pois ele estava muito “aéreo”. 

Antes que a mãe fizesse perguntas, alguém bateu na porta.

- Oi! Por favor, a senhora poderia chamar o Gabriel?

- Claro! Gabrieeeeeel! É seu amiguinho novo aqui do hotel.

- Fala Felipe!

- Cara, bora dar uma volta ai?

- Claro!

Antes que o pai pudesse acabar de dizer “Volta cedo porque eu não vou abrir a porta do quarto depois que eu dormir”, Gabriel já estava andando pelos corredores com Felipe.

Apesar de falarem sobre jogos de vídeo game e da péssima atuação de Gabriel no jogo, ele não estava muito concentrado. Queria andar, espairecer, se distrair. Tentar esquecer aquela menina.

- E aquelas meninas lá hein, cara? Lindas né?

- Demais! 

- Pois é. A Rúbia e a Débora são lindas mesmo. E são gente boa demais!

- Peraí! Você conhece aquelas meninas?

- Conheci ontem. A mãe de uma delas ficou amiga da minha mãe. Aí conheci e fiquei conversando com elas.

- Qual o nome daquela de cabelo anelado?

- Ela é a Débora. A do cabelo liso chama Rúbia.

Débora. Que nome lindo. Combinava com o sorriso lindo. Com os olhos lindos. Com o cabelo lindo. Ele queria tatuar esse nome no braço. Pensou em uma banda com ela chamada Debbie e os Víboras.  Achava que Gabriel e Débora formavam um lindo nome de casal. 

- Quer ir lá conversar com elas? Eu vi que elas estavam conversando na beira da piscina do lado da lanchonete.

E então ele congelou. Parecia que a dor de cabeça que dava quando tomava sorvete muito rápido apareceu na barriga e no peito. Ficou congelado. Não sabia o que fazer.

- Vamos lá! Anda... Vou te apresentar para elas.

Gabriel foi andando, mas era apenas um movimento físico. Por dentro, estava paralisado. Não sabia o que fazer, o que ia falar. Não conseguia raciocinar.

E elas estavam lá. Uma sentada ao lado da outra. Ambas com os pés na água, conversando e rindo.  Para Gabriel, era a risada mais gostosa do mundo. Se ele pudesse causar risadas assim, não precisaria comer ou beber. 

Quando suas batidas cardíacas estavam reduzindo para 200 batidas por minuto, elas perceberam a presença deles e olharam.  Para Gabriel, parecia que ele estava completamente sem roupas. A sensação era que ela via sua alma, seu consciente e até suas vidas passadas. E isso o assustava e o deixava petrificado.

E então, ele virou antes da piscina. Felipe não entendeu, mas acompanhou o novo amigo. Ao se distanciarem da piscina, não resistiu.

- O que aconteceu?

- Não vou conseguir, cara. 

- Como assim?

- Não vou. Tenho que me preparar. Foi mal, amanhã conversamos com elas.

Felipe não entendeu, mas decidiu respeitar.

Gabriel se dirigiu ao quarto e deitou na cama. Precisava pensar em algo novo, algo que pudesse arrancar um sorriso como aquele que Débora deu na arquibancada do campinho. Ou aquela risada mais gostosa que já ouviu. 

De olhos fechados e abraçado ao travesseiro, Gabriel ensaiava mentalmente o que faria para que ela não o achasse um idiota.

Acordou antes do pai e foi para o banho. Já sabia o que iria falar e estava tomado de coragem. Penteou os cabelos, vestiu uma roupa mais bacana e desceu cedo para o café. Ficou curioso para ver o que Débora comia no café, qual suco gostava, qual a fruta que pegaria primeiro. 

Ao chegar ao saguão onde ficava a entrada para o refeitório, a viu.

Os pais colocavam as bagagens no porta-malas de um carro.  Rúbia já estava no carro e com a cabeça encostada no vidro, aparentando estar dormindo. Débora abriu a porta traseira, atrás da porta do motorista, e colocou sua mochila ao lado de Rúbia. De repente, ela ficou imóvel. Olhou para lado e viu Gabriel. Por um instante ficou parada, olhando para ele. E sorriu. 

Alguém a chamou e ela, então, entrou, o carro arrancou e foram embora.

Gabriel estava hipnotizado. Havia uma mistura de tristeza, medo e arrependimento por não ter dito nada. Novamente, não sabia o que fazer.  

Voltou pra realidade quando Felipe chegou e o cumprimentou.

- Fala cara, beleza?

- Elas foram embora.

- Oi? Como assim?

- Elas foram embora. A Débora e a Rúbia.  Eu vi.

- E você falou alguma coisa?

- Não.

- Bom, perdeu a chance, né? Mas dane-se. Vamos tomar café e ir jogar bola.

Gabriel então lembrou dela sorrindo no campo. De como a descobriu. De como ela sorriu quando entrou no carro. E se atentou que era um sorriso de despedida. Um sorriso para ele. Um sorriso que ele nunca iria esquecer na vida. 

- Vamos!

E sorriu. 



Este texto é parte da série “Quatro Estações do Verão”. Para ler "Primavera", clique aqui. Para Ler "Verão", clique aqui.

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