- Guilherme?
- Sim.
- Tenho uma missão pra você. Será que você poderia vir até
minha sala?
- Claro.
Era M, minha chefe. Algum tempo depois, lá estava eu,
esperando para entrar, sentado sobre a mesa de sua secretária que me perguntava
sobre relacionamentos e etc. Com a perna esquerda em pé, e sentado somente com
o lado direito do corpo, e os braços apoiados na perna direita, respondia que
ainda não pensava em casamentos.
- Guilherme?
- Sim.
- Por favor, entre.
- Claro. Em que posso ser útil? – disse enquanto
desabotoava meu paletó e sentava na cadeira em frente à sua mesa.
- Preciso que faça um favor pra mim.
- Claro.
E ela começou a me detalhar o caso. Para resumir, eu
precisaria pegar um processo, sem deixar registros, para obter cópia de um
documento. E depois deixá-lo no lugar de origem.
- Mas como vou entrar lá?
- Existe uma ex-funcionária que está lá e que já trabalhou
aqui, não sabemos se ela poderá ajudar muito, mas já é uma referência. Chama
Adriana.
- Ok.
- E guarde segredo, ok?
- Claro, chefa.
- Ah, converse com a G aqui. Ela vai te dar o que precisa.
- Oi Guilherme.
- Oi G.
- Carregue esta pasta, que não contém informações de nossa
empresa. Aqui também está o cartão que precisa para entrar no prédio, uma
caneta para assinar e um telefone para contactar a Adriana. O número já está
salvo na memória.
- Ok.
- Guilherme?
- Sim, chefa?
- Você não trabalha aqui, Ok?
- Entendi.
E lá fui eu, saindo da sala. Só tinha uma coisa a fazer:
ligar para a tal da Adriana, no telefone indicado.
Aparentemente, ela saberia o que fazer. Não havia motivo
para eu ficar nervoso. Evidentemente, a Adriana era uma espiã que já havia
desmantelado quadrilhas internacionais de traficantes de jóias e eliminado
criminosos na calada da noite. Ela provavelmente estava envolvida em alguma
investigação internacional e precisava desesperadamente de alguma informação
minha. Claro que eu teria que sair correndo do escritório, pois agentes
inimigos estariam monitorando tudo, mas no final, tudo acabaria bem, eu e a Adriana
terminaríamos nossa aventura bebendo champanhe às margens do Sena, numa lancha,
ao nascer do Sol. Eu usaria smoking e estaria com a gravata afrouxada.
Ansioso pela aventura que me esperava, liguei. Uma voz
masculina atendeu do outro lado.
– Alô?
– Oi?
– Alô?
Fiz o que qualquer espião internacional teria feito.
Resmunguei um “foi engano” e desliguei.
Mas analisei friamente a situação. Não era possível que
tinham me passado o telefone errado. Às vezes era um código, ou coisa assim.
Liguei novamente e a mesma voz masculina atendeu.
- Alô?
- Por favor, a Adriana.
- Claro. Peraí.
O sujeito gritou tão alto o nome dela que eu ouvi sem
precisar do celular e os espiões russos já entrariam armados com suas armas
AK-47.
- Sim.
- Oi Adriana, meu nome é...
- Ah, a M já me avisou. Já está separado, venha logo.
E desligou.
Assustei com tamanha eficiência da minha comparsa.
Utilizei o cartão recebido e entrei no prédio. Na verdade usei o cartão para
pegar o ônibus até o prédio. Não era nenhum Aston Martin, mas pelo menos era
Mercedes-Benz e foi o necessário. Cheguei ao prédio e passei tranquilamente
pelos seguranças e peguei o elevador.
Descendo no 17º andar, retirei o andamento processual
atualizado e me dirigi ao balcão.
- Por favor, esse processo.
- Ok.
E então a atendente do balcão se dirigiu até o escaninho e
começou a procurar o processo. Neste momento, um senhor que estava sentado em
uma mesa do fundo não parava de olhar para mim. Me encarava com seu olho
direito raivoso – o esquerdo parecia ser de vidro – e alisava seu bigode, como
se quisesse penetrar minha mente.
Ajeitei a gravata e, cordialmente, abaixei levemente a
cabeça, cumprimentando-o.
Mas ele levantou e falou algo no ouvido dela. Olhou o
número do processo e saiu para uma sala ao lado. Voltou poucos segundos depois
e falou algo no ouvido da mulher que entrou com ele na mesma sala.
Já imaginando uma tortura em cima da pobre atendente,
coloquei a mão no bolso, pronto para sacar meu celular. Mas tentei fazer um ar
sereno quando o cara do olho de vidro saiu sozinho da sala, com um processo em
mãos.
- Boa tarde.
- Boa tarde.
- O senhor quer este processo?
- Sim.
Nesse momento, uma linda mulher morena, alta, cabelos
amarrados por uma caneta - formando um belíssimo rabo de cavalo que as mulheres
fazem quando vão tomar banho – e com um belo vestido preto decotado, saiu de
dentro da sala e foi para o escaninho onde a primeira atendente procurou o
processo.
- O senhor tem procuração, senhor...
Estufei o peito e tentei levantar somente uma sobrancelha,
no melhor estilo Sean Connery
- O senhor tem procuração, senhor Guilherme Cunha?
- Na verdade é isso que preciso consultar. Preciso
conferir se meu nome já está aí ou se será preciso juntar uma procuração ou um
substabelecimento. Como o processo é público, preciso conferir. O senhor
poderia me passá-lo?
- Claro. Mas ficarei aqui.
- Sem problema.
Recebi o processo em mãos e comecei a folheá-lo e lá achei
o documento que minha chefe precisava. A cópia da pág. 37. Delicadamente,
apoiei o dedinho esquerdo para marcar a folha e comecei a folhear o processo
apenas para despistá-lo.
- E então, Sr. Cunha. Achou sua procuração?
Antes mesmo que pudesse responder, a Bela Morena do
Escaninho deixou cair quatro processos no chão. Imediatamente, o Homem do Olho
de Vidro olhou para trás para ver do que se tratava, e aproveitei o momento para
retirar o celular do bolso e fotografar a pág. 37.
Porém o Homem do Olho de Vidro virou-se e me viu com o
celular na mão. Imediamente, fechou o processo e disse que não era permitido
fotografar os processos em que não possuía habilitação e disse que ia chamar o
escrivão.
Imaginei que ele iria me amarrar no porão daquele prédio e
que seria torturado até confessar para quem eu trabalhava. Logicamente eu não
iria falar e até lá descobriria que alguma parte da pasta que recebi iria ter
um dispositivo secreto para me ajudar.
- Não é necessário, Sr., não estava fotografando. Estava
apenas verificando uma mensagem, veja aqui.
- Mesmo assim, o senhor não é habilitado é?
Neste momento, lembrei da caneta que recebi e a retirei do
bolso interno do paletó. Acho que o Homem do Olho de Vidro achou que era uma
arma e fez menção a levar a mão no bolso.
- Não, vou fazer o pedido via OAB então.
- Veja, Milton. A caneta dele é do mesmo escritório do
autor do processo. Ele deve trabalhar lá, não é, Sr...
- Cunha. Guilherme Cunha.
- O senhor trabalha neste escritório, Sr. Cunha?
- Trabalho.
- Peça para seu chefe mandar um substabelecimento para o
senhor poder consultá-lo.
- Pode deixar. Muito obrigado, Sr. Milton. E agradeço
muito a você, Srta...
- Adriana.
- Obrigado, Adriana.
Saí do prédio e enviei a foto que tirei via mensagem para
minha chefe. Logo depois, recebi como resposta um “Bom Trabalho. Alguém ficará
feliz com isso. M.”. E só.
Sentei na lanchonete ao lado e pensei em pedir um Dry
Martini batido, não misturado. Mas como era horário do expediente ainda, pedi
apenas uma água com gás, gelo e limão espremido, não fatiado.
Afrouxei a gravata e olhei para a porta do prédio,
aguardando o horário em que a Adriana sairia para irmos, então, para as margens
do Sena tomar champanhe e curtir o pôr-do-sol a bordo de um iate, às custas da
coroa brasileira.
Porém M mandou outra mensagem.
“Já está voltando para o escritório? Você tem trabalho a
fazer aqui”
Neste momento, lamentei o fato de não ter licença para
matar.
Hoje, porém, agradeço o fato de não advogar mais.
Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha
Nenhum comentário:
Postar um comentário