quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

0013 Contra o Homem do Processo de Ouro


- Guilherme?

- Sim.

- Tenho uma missão pra você. Será que você poderia vir até minha sala?

- Claro.

Era M, minha chefe. Algum tempo depois, lá estava eu, esperando para entrar, sentado sobre a mesa de sua secretária que me perguntava sobre relacionamentos e etc. Com a perna esquerda em pé, e sentado somente com o lado direito do corpo, e os braços apoiados na perna direita, respondia que ainda não pensava em casamentos.

- Guilherme?

- Sim.

- Por favor, entre.

- Claro. Em que posso ser útil? – disse enquanto desabotoava meu paletó e sentava na cadeira em frente à sua mesa.

- Preciso que faça um favor pra mim.

- Claro.

E ela começou a me detalhar o caso. Para resumir, eu precisaria pegar um processo, sem deixar registros, para obter cópia de um documento. E depois deixá-lo no lugar de origem.

- Mas como vou entrar lá?

- Existe uma ex-funcionária que está lá e que já trabalhou aqui, não sabemos se ela poderá ajudar muito, mas já é uma referência. Chama Adriana.

- Ok.

- E guarde segredo, ok?

- Claro, chefa.

- Ah, converse com a G aqui. Ela vai te dar o que precisa.

- Oi Guilherme.

- Oi G.

- Carregue esta pasta, que não contém informações de nossa empresa. Aqui também está o cartão que precisa para entrar no prédio, uma caneta para assinar e um telefone para contactar a Adriana. O número já está salvo na memória.

- Ok.

- Guilherme?

- Sim, chefa?

- Você não trabalha aqui, Ok?

- Entendi.

E lá fui eu, saindo da sala. Só tinha uma coisa a fazer: ligar para a tal da Adriana, no telefone indicado.

Aparentemente, ela saberia o que fazer. Não havia motivo para eu ficar nervoso. Evidentemente, a Adriana era uma espiã que já havia desmantelado quadrilhas internacionais de traficantes de jóias e eliminado criminosos na calada da noite. Ela provavelmente estava envolvida em alguma investigação internacional e precisava desesperadamente de alguma informação minha. Claro que eu teria que sair correndo do escritório, pois agentes inimigos estariam monitorando tudo, mas no final, tudo acabaria bem, eu e a Adriana terminaríamos nossa aventura bebendo champanhe às margens do Sena, numa lancha, ao nascer do Sol. Eu usaria smoking e estaria com a gravata afrouxada.

Ansioso pela aventura que me esperava, liguei. Uma voz masculina atendeu do outro lado.

– Alô?

– Oi?

– Alô?

Fiz o que qualquer espião internacional teria feito. Resmunguei um “foi engano” e desliguei.

Mas analisei friamente a situação. Não era possível que tinham me passado o telefone errado. Às vezes era um código, ou coisa assim. Liguei novamente e a mesma voz masculina atendeu.

- Alô?

- Por favor, a Adriana.

- Claro. Peraí.

O sujeito gritou tão alto o nome dela que eu ouvi sem precisar do celular e os espiões russos já entrariam armados com suas armas AK-47.

- Sim.

- Oi Adriana, meu nome é...

- Ah, a M já me avisou. Já está separado, venha logo.

E desligou.

Assustei com tamanha eficiência da minha comparsa. Utilizei o cartão recebido e entrei no prédio. Na verdade usei o cartão para pegar o ônibus até o prédio. Não era nenhum Aston Martin, mas pelo menos era Mercedes-Benz e foi o necessário. Cheguei ao prédio e passei tranquilamente pelos seguranças e peguei o elevador.

Descendo no 17º andar, retirei o andamento processual atualizado e me dirigi ao balcão.

- Por favor, esse processo.

- Ok.

E então a atendente do balcão se dirigiu até o escaninho e começou a procurar o processo. Neste momento, um senhor que estava sentado em uma mesa do fundo não parava de olhar para mim. Me encarava com seu olho direito raivoso – o esquerdo parecia ser de vidro – e alisava seu bigode, como se quisesse penetrar minha mente.

Ajeitei a gravata e, cordialmente, abaixei levemente a cabeça, cumprimentando-o.

Mas ele levantou e falou algo no ouvido dela. Olhou o número do processo e saiu para uma sala ao lado. Voltou poucos segundos depois e falou algo no ouvido da mulher que entrou com ele na mesma sala.

Já imaginando uma tortura em cima da pobre atendente, coloquei a mão no bolso, pronto para sacar meu celular. Mas tentei fazer um ar sereno quando o cara do olho de vidro saiu sozinho da sala, com um processo em mãos.

- Boa tarde.

- Boa tarde.

- O senhor quer este processo?

- Sim.

Nesse momento, uma linda mulher morena, alta, cabelos amarrados por uma caneta - formando um belíssimo rabo de cavalo que as mulheres fazem quando vão tomar banho – e com um belo vestido preto decotado, saiu de dentro da sala e foi para o escaninho onde a primeira atendente procurou o processo.

- O senhor tem procuração, senhor...

Estufei o peito e tentei levantar somente uma sobrancelha, no melhor estilo Sean Connery

 
- Cunha. Guilherme Cunha (sem o cigarro)

- O senhor tem procuração, senhor Guilherme Cunha?

- Na verdade é isso que preciso consultar. Preciso conferir se meu nome já está aí ou se será preciso juntar uma procuração ou um substabelecimento. Como o processo é público, preciso conferir. O senhor poderia me passá-lo?

- Claro. Mas ficarei aqui.

- Sem problema.

Recebi o processo em mãos e comecei a folheá-lo e lá achei o documento que minha chefe precisava. A cópia da pág. 37. Delicadamente, apoiei o dedinho esquerdo para marcar a folha e comecei a folhear o processo apenas para despistá-lo.

- E então, Sr. Cunha. Achou sua procuração?

Antes mesmo que pudesse responder, a Bela Morena do Escaninho deixou cair quatro processos no chão. Imediatamente, o Homem do Olho de Vidro olhou para trás para ver do que se tratava, e aproveitei o momento para retirar o celular do bolso e fotografar a pág. 37.

Porém o Homem do Olho de Vidro virou-se e me viu com o celular na mão. Imediamente, fechou o processo e disse que não era permitido fotografar os processos em que não possuía habilitação e disse que ia chamar o escrivão.

Imaginei que ele iria me amarrar no porão daquele prédio e que seria torturado até confessar para quem eu trabalhava. Logicamente eu não iria falar e até lá descobriria que alguma parte da pasta que recebi iria ter um dispositivo secreto para me ajudar.

- Não é necessário, Sr., não estava fotografando. Estava apenas verificando uma mensagem, veja aqui.

- Mesmo assim, o senhor não é habilitado é?

Neste momento, lembrei da caneta que recebi e a retirei do bolso interno do paletó. Acho que o Homem do Olho de Vidro achou que era uma arma e fez menção a levar a mão no bolso.

- Não, vou fazer o pedido via OAB então.

- Veja, Milton. A caneta dele é do mesmo escritório do autor do processo. Ele deve trabalhar lá, não é, Sr...

- Cunha. Guilherme Cunha.

- O senhor trabalha neste escritório, Sr. Cunha?

- Trabalho.

- Peça para seu chefe mandar um substabelecimento para o senhor poder consultá-lo.

- Pode deixar. Muito obrigado, Sr. Milton. E agradeço muito a você, Srta...

- Adriana.

- Obrigado, Adriana.

Saí do prédio e enviei a foto que tirei via mensagem para minha chefe. Logo depois, recebi como resposta um “Bom Trabalho. Alguém ficará feliz com isso. M.”. E só.

Sentei na lanchonete ao lado e pensei em pedir um Dry Martini batido, não misturado. Mas como era horário do expediente ainda, pedi apenas uma água com gás, gelo e limão espremido, não fatiado.

Afrouxei a gravata e olhei para a porta do prédio, aguardando o horário em que a Adriana sairia para irmos, então, para as margens do Sena tomar champanhe e curtir o pôr-do-sol a bordo de um iate, às custas da coroa brasileira.

Porém M mandou outra mensagem.

“Já está voltando para o escritório? Você tem trabalho a fazer aqui”

Neste momento, lamentei o fato de não ter licença para matar.


Hoje, porém, agradeço o fato de não advogar mais.




Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha 

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