segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Ela

Para variar, os dias são iguais.

Todos os dias a mesma rotina, o mesmo papo no café, os mesmos horários e as mesmas pessoas. Aqui misturam-se vários tipos de trabalhadores, em passos estranhamente sincronizados formando uma massa de carneirinhos: Camisa social branca, calça preta.

Ele atravessa a rua, olhando em volta, mas sem ter nada que prenda a sua atenção. O sol forte, o suor que escorre em sua nuca e a maldita blusa social de manga comprida que tem que usar tornam o momento mais entediante e paradoxal. Dentro da empresa o ar condicionado ligado todos os dias na mesma temperatura, deixam todos infelizes: Quem é calorento, reclama do calor. Os frientos mandam desligar o ar.

Mas nem isso importa, pois é hora do almoço. Hora de pensar na vida, ou melhor, nos problemas da vida.

Novamente com a bandeja na mão, escolhendo o que colocar no prato. Cercada de rostos estranhos e familiares. A fila é grande e a conversa entre as pessoas parece não ter fim. Apenas ele, solitário, se incomoda com a demora, talvez pela fome que sente ou pelo calor infernal. Respira fundo, olha pra frente, pensa em algo hostil, mas até pra isso o desanimo é grande.

Porém, era um dia especial. Havia o diferencial...

ELA.

Estava acompanhada de amigos (ou apenas colegas de trabalho).

Camisa social rosa, com listras negras. Calça preta, salto alto. Detalhes em dourados no relógio, brincos e colar. Cabelos negros e ondulados, amarrados em um rabo de cavalo com duas mechas colocadas atrás das orelhas e uma mecha teimosa que caia sobre a testa e descansava no nariz. 

Um leve sorriso, que transmite um ar secreto e meigo, mas que não se percebe nos lábios e sim naqueles belos olhos negros que transmitem a confiança e a satisfação de quem tem segurança consigo mesma.

Talvez seja o fato de aparentar ser um pouco mais velha do que ele, mas o fato é que ela transmite estar satisfeita com a vida, ou pelo menos, profissionalmente. Tudo conspira para deixá-la com aquele ar de pessoa honesta, simples, sem frescura.

Mirando os detalhes negros no seu brinco de ouro, foi cutucado pela pessoa que estava atrás na fila.

Após pedir desculpas – e quase se esquecer de colocar o prato na balança – foi se sentar com a imagem dela na cabeça. O estranho, para não dizer engraçado, é que não se lembrava de nenhuma das pessoas que a acompanhavam. Aliás, nem sabiam quantas eram.

Quando ouviu aquela voz forte, mas feminina, dessas que impõe respeito e se deseja apenas que ela cante baixinho no seu ouvido, percebeu que ela estava sentada na mesa de trás e morreu de vergonha.


Era estranho porque não a via mais, mas sentia a presença dela. Não sabia o que preferia naquele momento: ouvir aquela voz era muito bom, mas também gostava de vê-la. Sei lá, dava aquele ar de felicidade boba, aquele sorriso de canto de boca, com olhar constrangido, que não se consegue explicar racionalmente.

Só pensava em como ela deveria ser uma pessoa legal e de se conversar aleatoriedades, sobre qual personagem de Friends ela preferia, o que gostava de ouvir, de ler e de ver no cinema.

Mas isso tudo ficava só nos pensamentos, pois provavelmente ele teria um ataque cardíaco de tanta vergonha e ela obviamente o acharia um doido. Ia dar tudo errado e não teria a menor chance de sobrevivência depois disso. Era tanta certeza que suas bochechas ficaram vermelhas.
 
Quando voltou a si, percebeu que não ouvia mais sua voz. Ou sua risada cativante de quem demonstra bom humor e pureza de alma.

Acabou de comer e se levantou na esperança de vê-la novamente, mas já era tarde demais.

Mesmo assim, um sorriso saiu de seu rosto, pois Ela esteve por perto. São dessas felicidades que estranhos proporcionam sem saber, que quem está de fora não consegue entender.

Se dirigiu ao caixa para pagar sua comanda, com passos de quem estava flutuando sem motivo aparente, e entrou na fila das pessoas monocromáticas que freqüentava a região.

Quando retirou a carteira do bolso direito, deixou a comanda cair, sendo obrigado a abaixar-se para pegá-la.

- Por favor, eu deixei meu cartão aqui?

Aquilo era música para seus ouvidos. Não precisava olhar para saber de que se tratava DA voz. Se a maioria das pessoas olharia para ver do que ou de quem se tratava, ele apenas fechou os olhos, como se quisesse gravar aquele momento para sempre.

- Está aqui, Nathália.

- Obrigada.

E mesmo de olhos fechados, conseguiu imaginar o sorriso que surgiu no rosto dela ao agradecer, o brilho nos olhos que surgia espontaneamente ou até mesmo aquela mecha de cabelo teimosa que insiste em cair sobre a testa dela.

Abriu os olhos e a viu saindo do restaurante.

Pagou sua comanda, agradeceu a moça do caixa e também saiu de lá.

Atravessou a rua e percebeu o mundo colorido a sua volta, iluminados pelo Astro-rei que deixava o dia mais lindo, e balbuciando o nome dela que fazia seu dia ser mais feliz.

“Até terça-feira que vem, Nathália”.



Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha 

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