segunda-feira, 10 de março de 2014

Naquela Esquina


Não adiantava, todos os dias eram iguais.

Às 06:30, o despertador tocava. Trombando nas paredes, ia pro banho. Depois, mais meia hora pra se arrumar. Ia pra cozinha, tomava um iogurte, comia uma banana até se assustar com a hora. Dava tempo apenas de buscar o celular que estava carregando na tomada desde a noite anterior, pegar as chaves de casa e os demais pertences em cima da mesa.

Ao sair de casa, fazia o mesmo trajeto, do mesmo jeito. Colocava os fones no ouvido, guardava as chaves, ligava o rádio do celular, subia três quarteirões e entrava na primeira rua à esquerda, para esperar o ônibus. Pontualmente, ele passava às 07:23, mas só porque chegou às 07:22, sabia que o motorista estava atrasado.

Embarcava no ônibus rezando para ter um lugar vago. Quando tinha, rezava para ser na janela para que dormisse mais um pouco. Mas podia ser no corredor, também. Só não gostava de quando não havia lugares disponíveis no ônibus. Enfrentar aquela viagem de 55 min em pé era difícil demais.

O fato é que se estivesse em pé ou com a cabeça encostada no vidro, os pensamentos dominavam sua cabeça. Pensava nos relacionamentos passados, nos problemas financeiros, nas discussões com os pais, na situação política do país, se havia colocado a toalha no varal, se o Kaká devia ir pra Copa, se havia vida após a morte, se poderia sair pra beber cerveja no sábado, das paixões platônicas do Colégio e se existia vida fora da Terra.

Tudo passava e se solucionava nos pensamentos enquanto viajava para o trabalho.

Mas sempre que o ônibus cruzava a avenida principal da cidade e parava em frente à estação do metrô, pensava no encontro que iria ter logo mais.

Em 20 ou 25 minutos, chegaria ao ponto final. Então, desceria em frente a padaria na qual sempre come um misto quente e um café com leite. Depois pediria 150 gramas de pão de quejo e iria para o caixa. Pegaria 3 cigarros picados e um Trident de Menta. Pagaria os R$8,25 diários, acenderia um cigarro e subiria a rua.

Dois quarteirões depois, apagaria o cigarro no poste e jogaria a guimba dentro de um lixeira em frente a casa de número 278. Depois, viraria na primeira rua à direita, retirando um chiclete da embalagem e jogaria o papel na lixeira em frente ao número 170. Por fim, andaria mais dois quarteirões até o encontro naquela esquina.

Fazia chuva ou fazia sol, sabia que em 12 minutos estaria diante do encontro que animava todas as suas manhãs. Ficaria lá por apenas cinco minutos, mas que eram os cinco minutos mais importantes do dia.

Depois, poderia ir trabalhar, almoçar e completar seu dia.

Mas naquele dia, não havia ninguém esperando. A última casa da rua, aquela do número 389, estava fechada.

Um frio se abateu sobre sua espinha. Não sabia o que tinha acontecido, nem o que deveria fazer.

Olhou para os lados, para cima, para baixo. Sabia que não adiantaria nada, mas precisava se apegar em algo. Inutilmente tirou os fones do ouvido, mas percebeu que não surtiu não efeito nenhum.

Fumou um cigarro, sabendo que ou ficaria sem cigarro após o almoço, ou não teria as tragadas que relaxam na caminhada de volta pra casa. Mas era a única coisa que aliviaria aquele momento.

Logo depois, percebeu que se ficasse naquela esquina, sem motivos, bateria o ponto com atraso e não poderia sair às 17:30 e teria que compensar o horário. Ou seja, quanto mais tempo ficasse ali, mais tarde sairia do serviço, podendo fazer com que perdesse o ônibus das 17:42 e embarcasse no próximo, que passaria 18:05, provavelmente bem cheio.

Realmente, não sabia o que fazer.

“Vou esperar o fim do cigarro”, pensou.

Mas tragava com mais vontade, o que só aumentou sua ansiedade.

Apagou o cigarro e pegou outro chiclete, sabendo que ficaria sem chicletes após o café das 09:45, após o almoço, após o café das 15:45 ou antes do ônibus de 17:42.

Se deu conta, então, que aquele encontro, pela primeira vez em 2 anos, estava mais atrapalhando sua rotina do que ajudando no humor matinal.

Descruzou os braços, olhou para trás e decidiu partir.

Até hoje, pensa no que teria ocorrido se não tivesse fumado aquele cigarro e pensado nisso tudo, pois, se fosse embora sem esperar, não teria ouvido a porta se abrir quando decidiu partir.

E não teria olhado para porta, com os olhos brilhando e as mãos querendo aquele afago.

Se tivesse partido, não teria visto a felicidade de quem aguardava aquele carinho e de quem achava que aqueles cinco minutos eram os mais importantes de todos os dias...

- Oi lindeza... Que saudades...


Nesse dia, percebeu que aqueles cinco minutos poderiam ser dez ou quinze, não importava. Só sabia que não queria viver aquela angústia de não saber o que fazer. Não havia rotina que importasse.

O mundo poderia parar naquele momento que não estava nem aí.

Nada era mais importante e gratificante do que estar ali, naquele encontro.

Bem naquela esquina.


Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha 

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