Não adiantava, todos os dias eram iguais.
Às 06:30, o despertador tocava. Trombando nas paredes, ia
pro banho. Depois, mais meia hora pra se arrumar. Ia pra cozinha, tomava um
iogurte, comia uma banana até se assustar com a hora. Dava tempo apenas de buscar
o celular que estava carregando na tomada desde a noite anterior, pegar as
chaves de casa e os demais pertences em cima da mesa.
Ao sair de casa, fazia o mesmo trajeto, do mesmo jeito.
Colocava os fones no ouvido, guardava as chaves, ligava o rádio do celular, subia
três quarteirões e entrava na primeira rua à esquerda, para esperar o ônibus.
Pontualmente, ele passava às 07:23, mas só porque chegou às 07:22, sabia que o
motorista estava atrasado.
Embarcava no ônibus rezando para ter um lugar vago. Quando
tinha, rezava para ser na janela para que dormisse mais um pouco. Mas podia ser
no corredor, também. Só não gostava de quando não havia lugares disponíveis no
ônibus. Enfrentar aquela viagem de 55 min em pé era difícil demais.
O fato é que se estivesse em pé ou com a cabeça encostada
no vidro, os pensamentos dominavam sua cabeça. Pensava nos relacionamentos
passados, nos problemas financeiros, nas discussões com os pais, na situação
política do país, se havia colocado a toalha no varal, se o Kaká devia ir pra
Copa, se havia vida após a morte, se poderia sair pra beber cerveja no sábado,
das paixões platônicas do Colégio e se existia vida fora da Terra.
Tudo passava e se solucionava nos pensamentos enquanto
viajava para o trabalho.
Mas sempre que o ônibus cruzava a avenida principal da
cidade e parava em frente à estação do metrô, pensava no encontro que iria ter logo
mais.
Em 20 ou 25 minutos, chegaria ao ponto final. Então,
desceria em frente a padaria na qual sempre come um misto quente e um café com
leite. Depois pediria 150
gramas de pão de quejo e iria para o caixa. Pegaria 3
cigarros picados e um Trident de Menta. Pagaria os R$8,25 diários, acenderia um
cigarro e subiria a rua.
Dois quarteirões depois, apagaria o cigarro no poste e
jogaria a guimba dentro de um lixeira em frente a casa de número 278. Depois,
viraria na primeira rua à direita, retirando um chiclete da embalagem e jogaria
o papel na lixeira em frente ao número 170. Por fim, andaria mais dois
quarteirões até o encontro naquela esquina.
Fazia chuva ou fazia sol, sabia que em 12 minutos estaria
diante do encontro que animava todas as suas manhãs. Ficaria lá por apenas cinco
minutos, mas que eram os cinco minutos mais importantes do dia.
Depois, poderia ir trabalhar, almoçar e completar seu dia.
Mas naquele dia, não havia ninguém esperando. A última casa
da rua, aquela do número 389, estava fechada.
Um frio se abateu sobre sua espinha. Não sabia o que tinha
acontecido, nem o que deveria fazer.
Olhou para os lados, para cima, para baixo. Sabia que não
adiantaria nada, mas precisava se apegar em algo. Inutilmente
tirou os fones do ouvido, mas percebeu que não surtiu não efeito nenhum.
Fumou um cigarro, sabendo que ou ficaria sem cigarro após o
almoço, ou não teria as tragadas que relaxam na caminhada de volta pra
casa. Mas era a única coisa que aliviaria aquele momento.
Logo depois, percebeu que se ficasse naquela esquina, sem
motivos, bateria o ponto com atraso e não poderia sair às 17:30 e teria que compensar
o horário. Ou seja, quanto mais tempo ficasse ali, mais tarde sairia do
serviço, podendo fazer com que perdesse o ônibus das 17:42 e embarcasse no
próximo, que passaria 18:05, provavelmente bem cheio.
Realmente, não sabia o que fazer.
“Vou esperar o fim do cigarro”, pensou.
Mas tragava com mais vontade, o que só aumentou sua
ansiedade.
Apagou o cigarro e pegou outro chiclete, sabendo que
ficaria sem chicletes após o café das 09:45, após o almoço, após o café das
15:45 ou antes do ônibus de 17:42.
Se deu conta, então, que aquele encontro, pela primeira vez
em 2 anos, estava mais atrapalhando sua rotina do que ajudando no humor
matinal.
Descruzou os braços, olhou para trás e decidiu partir.
Até hoje, pensa no que teria ocorrido se não tivesse fumado
aquele cigarro e pensado nisso tudo, pois, se fosse embora sem esperar, não
teria ouvido a porta se abrir quando decidiu partir.
E não teria olhado para porta, com os olhos brilhando e as
mãos querendo aquele afago.
Se tivesse partido, não teria visto a felicidade de quem aguardava
aquele carinho e de quem achava que aqueles cinco minutos eram os mais
importantes de todos os dias...
- Oi lindeza... Que saudades...
Nesse dia, percebeu que aqueles cinco minutos poderiam ser
dez ou quinze, não importava. Só sabia que não queria viver aquela angústia de
não saber o que fazer. Não havia rotina que importasse.
O mundo poderia parar naquele momento que não estava nem
aí.
Nada era mais importante e gratificante do que estar ali,
naquele encontro.
Bem naquela esquina.
Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha
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