terça-feira, 18 de março de 2014

No Carnaval

Desde que terminaram aquele relacionamento, não se falaram. Talvez nem se lembrem mais do motivo, mas decidiram nunca mais se ver.

Ela sofreu demais e buscou na música, livros, músicas e caminhadas ao ar fresco, além do apoio das amigas, a cura pra dor que sentia. Ele se apegou à bebida, a mulheres e todos os artefatos usados pelos homens que não tem coragem de assumir o sofrimento.

Depois de poucos meses, ela estava aparentemente bem. Graças ao trabalho e as caminhadas que ajudaram a dissipar maus pensamentos, ela já andava com a cabeça erguida e trocava olhares com rapazes na direção contrária. Ele caiu na real, percebeu como foi errado a estratégia de deixar o tempo passar e percebeu como sentia falta dela.

Ao chegar aquele carnaval, era impossível não lembrarem um do outro e do significado daquela data para ambos. Era impossível se esquecerem dos carnavais que passaram juntos, dos que abriram mão para desfrutarem da folia em conjunto e das vezes que optaram por apenas estarem juntos sem qualquer festa.

Mas nesse, o primeiro que passariam separados pela primeira vez, era inevitável pensar um no outro. Talvez por isso, resolveram aproveitar como nunca aproveitaram antes.

E por coincidência, na mesma festa. Na mesma praça.

Lá, no meio dos fantasiados e mascarados, dos bêbados e drogados, das crianças e idosos, se reconheceram. Ela, linda como sempre, mas com um cara do lado, provavelmente um novo amor. Ele, mal cuidado como nunca, acompanhado da solidão e do arrependimento.

No momento da troca de olhares, tipo daquele que gerou aquilo tudo e que desencadeou naquele relacionamento, tão conhecida pelos dois, a música parou. As pessoas pararam de dançar. Os dois pararam de respirar. Pelo menos, era assim que ambos pensaram.

Enquanto se aproximavam, em câmera lenta, inúmeras perguntas passavam pela sua cabeça. “Oi, está linda. Pena que já me esqueceu. Quem é o imbecil ao seu lado?”, pensava ele. “Oi. To vendo que eu estava certa em pedir pra você fazer essa barba duas vezes por semana. Ta feio demais. E essa camisa aí? Não jogou fora até hoje porque?”, pensava ela.

Mas nada disso aconteceu. Apenas um aceno contido, com as mãos correndo pro bolso e um sorriso mais amarelo que a camisa da seleção.

- Oi.

- Oi.

- Tudo bem?

- Tudo. E você?

- Bem também.

- Bom te ver.

- Também achei... Bom, a gente se vê por aí!

- Ok!

- Tudo de bom!

- Pra você também!

E tomaram caminhos diferentes, mas não sem trocarem outro olhar. Ao acenarem, ele pensou que se estivessem um pouco mais próximos, talvez entrelaçassem os dedos pela última vez. Era tudo o que ele queria.

Mas não foi possível. Ao som dos batuques e sambas, que tomavam conta dos foliões, se dispersaram na multidão. Ele tentou uma última troca de olhares, mas ela não correspondeu. Talvez por medo, ele pensou, mas o fato é que não poderia deixar as coisas terminassem daquele jeito.

Talvez fosse um conselho de um anjo, não sabia, mas lembrou-se da paixão dela por ler. E saiu correndo por aquela praça, atrás de uma papelaria. Com papel e caneta em mãos, não quis que algum autor ou autora fosse responsável por transmitir o que sentia. Ali mesmo, no balcão da loja, escreveu uma crônica para ela.

Além da crônica, um bilhete:

Oi, tudo bem?
Então, tinha tempos que a gente não se via, né? Quero que saiba que sempre me lembro de você. Todos os dias. Sei que nosso fim não foi bom e, pra te falar a verdade, nem lembro porque tudo acabou. Quero te pedir desculpas por tudo que fiz e pelo que eu não fiz também.
Me desculpe também por não conseguir conversar com você hoje.
Se gostar dessa crônica, me liga, me manda um sinal de fumaça, me dê um sinal de que sente minha falta.
Beijo.

Deixou o envelope na caixa de correios dela e foi embora pra casa.

Aguardou por uma resposta, mas não recebia nada. Três, cinco, sete horas se passaram. Até que recebeu uma mensagem no whatsapp.

“A crônica é boa. Você que é um filho da puta”.

Um dor no peito tomou conta de si. Talvez tivesse infartando. A dor foi tanta que ouviu uma música dos Beatles, bem suave ao fundo. Era a certeza de que estava morrendo e chegando ao céu.

Assustou-se e percebeu que aquela música era o despertador do seu celular e que tudo que tinha acontecido era apenas um sonho.

Aliviado, suspirou e foi tomar banho para ir trabalhar.

Mas não sem antes anotar a crônica que escreveu no seu sonho.



Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha 

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