Como em todos os anos de Copa do Mundo, desde 1994, comprei
o álbum de figurinhas.
Em todos esses anos, mais do que a ansiedade de ver quais jogadores e escudos tirei, ver dados estatísticos e etc, o prazer de colecionar os cromos, colar a figurinha com cuidado e ver o álbum enchendo só perdia para a “troca de figurinhas”.
Quando criança, percorria os corredores do colégio atrás de
outros colecionadores para trocar as figurinhas faltantes e isso ajudava no
relacionamento com alunos e alunas de outras séries e diminuía o “bolo” das
figurinhas repetidas.
Mas essa troca de figurinhas não era a única maneira de se
adquirir os cromos faltantes. O outro jeito é o Tapão.
Não sei como se chama esse jogo em outros estados. Lembro
que nas revistinhas da Turma da Mônica, era bafo. Só sei que me refiro à aquele
jogo em que se colocam figurinhas amontoadas e que se bate a mão em cima delas.
As que virarem são suas. A única regra é não encostar a mão no montinho.
E eu gostava muito disso viu? Aliás, eu fui bom nisso.
E eu gostava muito disso viu? Aliás, eu fui bom nisso.
O ano era 1996 e eu estudava no Colégio Frei Orlando em Belo Horizonte.
Fazia o álbum do Campeonato Brasileiro de 1996 e faltava
apenas 1 figurinha para mim: O lateral Zé Roberto, da Portuguesa.
Rodei os corredores do colégio, praça da Igreja, quermesse
do bairro, tudo. Meu pai trazia um pacote todo dia e nada. Fiz de tudo e não
achava a bendita figurinha.
Um dia, andando triste, chutando pedrinhas na rua e com a
plena sensação de fracasso, um amigo de colégio chega correndo, todo
esbaforido, e me solta.
- Guilherme! Acharam o Zé Roberto.
- Mentira! Quem tem?
- O Glauber. E ele vai jogar no tapão.
Justo o Glauber. Meu rival no futebol, vôlei, basquete,
peteca, ping-pong, xadrez e cuspe a distância. E meu rival no tapão.
Pior que o desgraçado já tinha completado o álbum dele e
mantinha como prazer rapar as figurinhas de todo mundo. Inclusive o maldito
tinha uma merendeira dos Cavaleiros do Zodíaco com mais de 400 figurinhas
repetidas lá, inclusive umas 30 minhas que o fdp já tinha rapado. E ganhar dele
para mim, significava o Superman vencer o Lex Luthor. O Rocky ganhar do Apolo.
O James Bond vencer o Satânico Dr. No. O Frodo ganhar do Sauron. O Batman...
ah, vocês já entenderam né?
Pois bem. Fui até a roda do tapão, com alguns amigos em volta. Lá estava o Glauber, peito estufado, com seus amigos em volta também.
- Soube que você tem o Zé Roberto.
- Tenho.
- Quantas figurinhas quer nele?
- Nenhuma. Só coloco ele no tapão.
- Ok. Vamos então.
- Mas vamos jogar uma vez só. Eu aposto o Zé Roberto. Você
coloca o que?
- Uai, uma figurinha qualquer.
- Não vale. Se ganhar, leva o Zé Roberto. Se perder, eu
fico com sua camisa do Taffarel.
- “Ohhhhhhh” – fez-se no pátio.
Pedi para ver o Zé Roberto. Estava lá e em bom estado.
Pensei duas, três, cinco vezes. A camisa do Taffarel era a minha preferida e objeto de desejo do colégio.
- Ok! Vamos lá! – Concordei, sobre aplausos da plateia.
Um monte de gente foi se aglomerando em volta. Acho que a
última vez que o Frei Orlando teve um acontecimento desse porte foi quando a
famosa bomba estourou no banheiro em setembro de 1995 (sim, eu presenciei).
- Vamos com duas hein! – disse o Glauber.
E sacou o Zé Roberto e o Carlos Miguel, do Grêmio. Ficou
olhando para mim e esperando minhas figurinhas.
Olhei para o meu bolo. Escolhi o Doriva do Galo e o Dinho
do Grêmio. Não sei porque, mas cismei que precisava de dois jogadores de defesa
e raçudos para me ajudar.
Coloquei as figurinhas, respirei fundo e tiramos par ou
impar. Perdi. Ele batia primeiro.
Na batida, ele levou o Carlos Miguel e o Dinho. Agora era
comigo.
A respiração de todos num raio de 50m parou. Meu Doriva e o
Zé Roberto dele.
Olhei para os lados e todos sem esboçar reação. Eu suava de
molhar a camisa. Fechei os olhos, concentrado. Tranquei a respiração, juntei as
duas mãos naquele movimento característico dos grandes campeões e bati a mão no
chão, levantando a mão poucos centrimentos do chão, mantendo os olhos fixos nas
figurinhas.
Doriva, como um perfeito cão de guarda e grande volante que
era, puxou o Zé Roberto e ambos foram pro chão, em câmera lenta.
Do momento que minha mão bateu no chão até as figurinhas
girarem e virarem, ninguém respirou. Mas quando todos viram, ela ali,
viradinha, um grito ensurdecedor saiu de quem acompanhava. Meus amigos, pulavam
e davam socos no ar. Os dele, olhavam para baixo.
Eu não tive reação. Não acreditava. Meu primeiro álbum de
Campeonato Brasileiro Completo. Minha camisa do Taffarel ficaria comigo. E os
olhos encheram d’água.
Zé Roberto entrou risonho no álbum, onde permanece até
hoje.
![]() |
Olha o Zé Roberto aí, ao lado do Capitão. |
Sei que esse dia entrou para a história do Tapão no Frei
Orlando e é contada até hoje por quem estava lá. Pessoas que não estavam,
juravam que viram de longe, ouviram os gritos ou que torceram pra mim.
Nunca mais desafiei o Glauber no tapão. A partir do Campeonato Brasileiro de 1997 não fiz o
álbum e o da Copa de 1998, assim como todos os outros de Copa até hoje,
completei na base da troca de figurinhas, mas nunca tive pressa para isso.
Esse ano, sei que vou completar o
álbum de novo. Quem estiver colecionando também, pode me chamar nas redes
sociais ou avisar aqui nos comentários. Podemos trocar as figurinhas.
Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha
Muito legal o texto, parabéns!
ResponderExcluirTexto genial! Continue assim!
ResponderExcluirAfinal, vc não é futuro escritor coisa nenhuma, esse texto é coisa de quem já tem a escrita na alma!
Obrigado pelas palavras, mas acho que ainda não sou escritor não. Apenas um esforçado na função, rsrsrs. Valeu pela visita aqui! :)
Excluir