Entre
copos e mais copos, pensava na vida. Ali mesmo, no balcão daquele bar.
Não que
sua vida estivesse ruim. Apenas proseava com o garçom (e molhava a garganta)...
Contando e ouvindo casos, para fazer passar o tempo e se distrair.
Obviamente,
o assunto predominante era Copa do Mundo e futebol. Várias histórias eram
contadas e ninguém sabia o que era verdade ou mentira.
- Aí Zé,
troca esse copo pra mim, por favor! Ele já tá ficando meio gorduroso hahahaha!
Valeu! Mas voltando ao assunto... O Zico me deu uma camisa dele, da seleção de
86. Pena que me roubaram.
Como
atestar a veracidade do que era contado?
O
engraçado, talvez, era justamente imaginar o que era história de pescador e o
que era verdade e a noite parecia ser longa.
Parecia.
Até que
ele sentiu aquele cheiro.
Não
sabia explicar o que aconteceu, mas o tempo parou e o cérebro começou a lhe
enviar mensagens, tentando resgatar alguma lembrança. Mas qual?
Era
questão de honra se lembrar daquele cheiro. Até achou que pudesse ser algo
relacionado à infância, mas logo viu que não era. Não tinha cheiro de casa de
vó, nem de quando ainda morava naquela casa com uma castanheira em frente.
Talvez
fosse algo relacionado à escola. Se lembrou da infância naquela instituição, do
cheiro de salgado que invadia sua sala às vésperas do recreio. Mas foi em vão.
Era um
cheiro bom, que parecia trazer boas lembranças. Um cheiro acolhedor.
Envolvente.
Talvez
fosse algo relacionado às suas viagens. Pensou em Paris, Roma, Gramado e Campos
do Jordão. Nada.
Talvez
Buenos Aires. Ou Santiago. Não adiantou.
Parecia
que ele era alguém que fuçava e tirava papéis e mais papéis da gaveta de um
escaninho. E jogava ao chão, na esperança de encontrar um único pedaço que
trouxesse a felicidade que procurava.
Isso!
Felicidade! Talvez essa seja a palavra.
Era um
cheiro bom, envolvente. E feliz. Havia felicidade naquela lembrança.
Se
lembrou de como foi feliz naquele carnaval em Olinda, em 2005. Buscou na
memória cada pedaço de chão e cada experiência que fizeram a viagem se tornar:
“a melhor viagem de todas”. Mas não achava a situação que queria.
Talvez
não fosse a felicidade em si, mas uma situação feliz. Será que foi o dia em que
passou no vestibular? Que foi dispensado do Exército? O dia em que passou no
concurso da Justiça Federal?
Nada. Se
lembrou de cada dia em
especifico. Desde os batimentos cardíacos alterados até as
ligações feitas por sua mãe, que o emocionaram.
Não
sabia de onde e o que aquele cheiro despertava. Seu time campeão? Quando
comprou o vinil do Abbey Road dos Beatles e pode, enfim, ouvir em sua vitrola?
Ou de quando achou aquela nota de 50 reais no bolso da calça?
Nada era
relacionado ao seu olfato.
Eram todos
momentos felizes. Pequenos, mas que o faziam sorrir só de lembrar.
Sorrisos...
Talvez essa fosse a ligação. O que despertava seus sorrisos. Ou quem despertava
o riso fácil.
Se
lembrou da Vanessa, sua namorada de faculdade. E da Renata, com quem perdeu a
virgindade. Eram cheirosas, mas aquele cheiro não era delas. Até porque, não
era cheiro de perfume.
Talvez
fosse o aroma das rosas que ficavam no jardim da Fernanda, seu primeiro amor.
Como era bom lembrar-se de quando foi buscá-la para sair pela primeira vez, e
entregou as rosas que ele havia roubado do próprio terreno dela. E como eles
riram dos furos causados pelos espinhos no dedo dele. E o pior que tava frio
naquela noi...
Frio!
Sim. Aquele não era cheiro especifico. Era cheiro de orvalho, de terra molhada.
Era aquele cheiro de inverno... E então a ficha caiu. Se lembrou da Íris. A
menina do interior que ele conheceu quando esteve em Uberlândia, no inverno de
2001. Lembrou direitinho dos dois abraçadinhos, na noite fria, em frente ao Bar
do Geraldinho. De quando ela colocou o nariz gelado no seu pescoço e ele
levantou a gola da jaqueta jeans pra se proteger.
Ele
tinha certeza.
- Zé! Me
diga uma coisa. Tá chovendo lá fora?
- Porra
Olavo! Eu sei que você é cego, mas você é surdo? Claro que tá chovendo! Não
ouviu os trovões? Hahahaha!
- Não
ouvi, porra! Hahahaha! Vem cá, deixa eu te perguntar uma coisa aqui... Vou
falar baixo... Por acaso entrou uma mulher de mais ou menos 1,60m, com cabelos
no ombro e usando um cachecol com cheiro de guardado?
- Você é
cego mesmo hein! Entrou uma loira de 1,80m. Ou um loiro, sei lá. Vai que essa
porra é travesti! Hahahaha!
- Ok
então! Valeu. Faz assim, pega mais uma cerveja pra mim, chame um táxi e pendura
essa conta aí, porque amanhã eu recebo e acerto tudo.
-
Hahaha! Cego caloteiro! Podexá Olavão! Táxi tem aí fora. Vou te colocar dentro
de um...
-
Brigadão Zé! Mas num precisa me dar o braço não porque senão o taxista vai
achar que eu to te comendo. E eu não quero que ele pense nada disso!
Hahahahaha!
Entrou
no táxi e foi embora.
Feliz.
Ele pode
não ter acertado na lembrança, mas o importante foi reviver tudo o que passou.
Da casa
da vó, da escola, das mulheres. Não que ele tenha enxergado um dia... Mas pelo
cheiro, ele pode se lembrar do que viveu.
Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha
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