terça-feira, 15 de julho de 2014

Lembranças

Entre copos e mais copos, pensava na vida. Ali mesmo, no balcão daquele bar.

Não que sua vida estivesse ruim. Apenas proseava com o garçom (e molhava a garganta)... Contando e ouvindo casos, para fazer passar o tempo e se distrair.

Obviamente, o assunto predominante era Copa do Mundo e futebol. Várias histórias eram contadas e ninguém sabia o que era verdade ou mentira.

- Aí Zé, troca esse copo pra mim, por favor! Ele já tá ficando meio gorduroso hahahaha! Valeu! Mas voltando ao assunto... O Zico me deu uma camisa dele, da seleção de 86. Pena que me roubaram.

Como atestar a veracidade do que era contado?

O engraçado, talvez, era justamente imaginar o que era história de pescador e o que era verdade e a noite parecia ser longa.

Parecia.

Até que ele sentiu aquele cheiro.

Não sabia explicar o que aconteceu, mas o tempo parou e o cérebro começou a lhe enviar mensagens, tentando resgatar alguma lembrança. Mas qual?

Era questão de honra se lembrar daquele cheiro. Até achou que pudesse ser algo relacionado à infância, mas logo viu que não era. Não tinha cheiro de casa de vó, nem de quando ainda morava naquela casa com uma castanheira em frente.

Talvez fosse algo relacionado à escola. Se lembrou da infância naquela instituição, do cheiro de salgado que invadia sua sala às vésperas do recreio. Mas foi em vão.

Era um cheiro bom, que parecia trazer boas lembranças. Um cheiro acolhedor. Envolvente.

Talvez fosse algo relacionado às suas viagens. Pensou em Paris, Roma, Gramado e Campos do Jordão. Nada.

Talvez Buenos Aires. Ou Santiago. Não adiantou.

Parecia que ele era alguém que fuçava e tirava papéis e mais papéis da gaveta de um escaninho. E jogava ao chão, na esperança de encontrar um único pedaço que trouxesse a felicidade que procurava.

Isso! Felicidade! Talvez essa seja a palavra.

Era um cheiro bom, envolvente. E feliz. Havia felicidade naquela lembrança.
Se lembrou de como foi feliz naquele carnaval em Olinda, em 2005. Buscou na memória cada pedaço de chão e cada experiência que fizeram a viagem se tornar: “a melhor viagem de todas”. Mas não achava a situação que queria.

Talvez não fosse a felicidade em si, mas uma situação feliz. Será que foi o dia em que passou no vestibular? Que foi dispensado do Exército? O dia em que passou no concurso da Justiça Federal?

Nada. Se lembrou de cada dia em especifico. Desde os batimentos cardíacos alterados até as ligações feitas por sua mãe, que o emocionaram.

Não sabia de onde e o que aquele cheiro despertava. Seu time campeão? Quando comprou o vinil do Abbey Road dos Beatles e pode, enfim, ouvir em sua vitrola? Ou de quando achou aquela nota de 50 reais no bolso da calça?

Nada era relacionado ao seu olfato.

Eram todos momentos felizes. Pequenos, mas que o faziam sorrir só de lembrar.

Sorrisos... Talvez essa fosse a ligação. O que despertava seus sorrisos. Ou quem despertava o riso fácil.

Se lembrou da Vanessa, sua namorada de faculdade. E da Renata, com quem perdeu a virgindade. Eram cheirosas, mas aquele cheiro não era delas. Até porque, não era cheiro de perfume.

Talvez fosse o aroma das rosas que ficavam no jardim da Fernanda, seu primeiro amor. Como era bom lembrar-se de quando foi buscá-la para sair pela primeira vez, e entregou as rosas que ele havia roubado do próprio terreno dela. E como eles riram dos furos causados pelos espinhos no dedo dele. E o pior que tava frio naquela noi...

Frio! Sim. Aquele não era cheiro especifico. Era cheiro de orvalho, de terra molhada. Era aquele cheiro de inverno... E então a ficha caiu. Se lembrou da Íris. A menina do interior que ele conheceu quando esteve em Uberlândia, no inverno de 2001. Lembrou direitinho dos dois abraçadinhos, na noite fria, em frente ao Bar do Geraldinho. De quando ela colocou o nariz gelado no seu pescoço e ele levantou a gola da jaqueta jeans pra se proteger.

Ele tinha certeza.


- Zé! Me diga uma coisa. Tá chovendo lá fora?

- Porra Olavo! Eu sei que você é cego, mas você é surdo? Claro que tá chovendo! Não ouviu os trovões? Hahahaha!

- Não ouvi, porra! Hahahaha! Vem cá, deixa eu te perguntar uma coisa aqui... Vou falar baixo... Por acaso entrou uma mulher de mais ou menos 1,60m, com cabelos no ombro e usando um cachecol com cheiro de guardado?

- Você é cego mesmo hein! Entrou uma loira de 1,80m. Ou um loiro, sei lá. Vai que essa porra é travesti! Hahahaha!

- Ok então! Valeu. Faz assim, pega mais uma cerveja pra mim, chame um táxi e pendura essa conta aí, porque amanhã eu recebo e acerto tudo.

- Hahaha! Cego caloteiro! Podexá Olavão! Táxi tem aí fora. Vou te colocar dentro de um...

- Brigadão Zé! Mas num precisa me dar o braço não porque senão o taxista vai achar que eu to te comendo. E eu não quero que ele pense nada disso! Hahahahaha!

Entrou no táxi e foi embora.

Feliz.

Ele pode não ter acertado na lembrança, mas o importante foi reviver tudo o que passou.

Da casa da vó, da escola, das mulheres. Não que ele tenha enxergado um dia... Mas pelo cheiro, ele pode se lembrar do que viveu.

E como viveu.



Guilherme Cunha. Ex-advogado. Futuro escritor. É apenas mais um trabaiadô,doutô. Mais um nerd gordo que acha que é blogueiro. Apreciador de boa cerveja, boa música, boa conversa e de paciência Spider. Melhor jogador de War com as peças verdes. Siga-o no twitter: @guijermoacunha

Nenhum comentário:

Postar um comentário